domingo, 30 de março de 2008

Burocracia emperra investigações de pedofilia na internet

De mãos atadas. É assim que se sentem investigadores da Polícia Federal, procuradores do Ministério Público e ativistas em prol da segurança na internet diante de milhares de denúncias de pedofilia na rede mundial de computadores. A demora para acessar dados de usuários suspeitos - informação detida por provedores e operadoras de telefonia - emperra a investigação de crimes contra crianças e jovens, que acabam sem punição

Do início do ano até o dia 10 de março, a SaferNet, que coordena a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, recebeu 35.715 denúncias de pedofilia, referentes a 10.493 páginas da internet. Foram 510 alertas por dia. Em 2007, o número de registros mais que dobrou. Passou de 121.635, em 2006, para 267.470, representando um aumento de 120%. As denúncias fazem referência, sobretudo, a sites que contenham fotos, desenhos, vídeos ou textos pornográficos envolvendo crianças.

Só a popularização da internet no Brasil não explica o salto - hoje são 22 milhões de internautas no País, segundo o Ibope/NetRatings. Para o presidente da SaferNet, Thiago Nunes de Oliveira, o crescimento das denúncias reflete sim o aumento efetivo de crimes de pedofilia. "A impunidade está servindo de combustível à criminalidade", diz. "Falta no Brasil uma estrutura policial para investigação e punição dos criminosos."

Oliveira critica a escassez de delegacias especializadas em crimes cibernéticos, presentes em apenas seis Estados brasileiros. Falta ainda uma divisão para tratar do tema na Polícia Federal. "Os delegados investigam de forma não-exclusiva os casos, o que torna difícil trabalhar com celeridade", diz. "Além disso, o esforço é quase todo para solucionar crimes contra o patrimônio e fraudes financeiras.

O chefe da Divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal, Felipe Tavares Seixas, nega que haja maior atenção a esses delitos, mas admite que a colaboração das instituições financeiras contribui para o êxito das operações. "Os bancos criam condições para que a polícia trabalhe e auxiliam com toda a informação disponível", diz. "Já nos crimes contra a pessoa, não há parceria dos provedores ou das operadoras.

Em oito anos, desde 2000, a PF abriu 651 inquéritos policiais sobre pedofilia, mas não há dados compilados sobre o resultado dessas investigações. De 2005 a 2007 foram seis operações, que resultaram na prisão de 11 pessoas. Na última delas, a Carrossel realizada em dezembro do ano passado, 410 policiais prenderam três acusados, depois de cinco meses de apuração.

De acordo com Seixas, a demora das empresas em fornecer dados dos usuários suspeitos de delitos atrasou o trabalho da PF. Algumas operadoras de telefonia levaram mais de um mês para informar, a partir do endereço IP (do inglês Internet Protocol) das máquinas investigadas, o endereço físico dos internautas. O IP é obtido junto aos provedores, com base nas informações sobre os acessos a sites, os chamados 'logs'. "Não há justifica para tanta demora", diz Seixas. "As empresas estão despreparadas para esse tipo de interceptação."

Provas do crime

A promotora da República Adriana Scordamaglia, que integra o Grupo de Combate a Crimes Cibernéticos do Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo, diz que as dificuldades começam assim que o órgão recebe a denúncia de pedofilia. "Mais da metade dos casos é arquivada logo de início, pois os provedores não guardam as provas", diz.

Há dois anos, o MPF firmou termo de compromisso com a Associação Brasileira de Provedores de Internet (Abranet) para que as empresas armazenem as informações sobre acessos a sites (os 'logs') por no mínimo seis meses. "Estamos comprometidos com a segurança da rede e auxiliamos as investigações", afirma o diretor da Abranet, Eduardo Parajo, que considera plausível um prazo de armazenagem de até três anos. "Fornecemos os dados o mais rápido possível.

O grande nó acontece quando o conteúdo denunciado está em um provedor de fora do Brasil. Seixas, da PF, diz que as empresas geralmente exigem, para liberação de dados, um pedido não só da Justiça brasileira, mas também do país onde o provedor tem sede. "A burocracia é tanta que não conseguimos sequer checar se a denúncia procede ou não", diz. "Trata-se de um crime ágil, em uma realidade globalizada e transnacional. A investigação precisa acompanhar esse ritmo.

Batalha com Google

Exemplo desse entrave é a luta pela liberação de informações entre autoridades brasileiras e a empresa americana Google, proprietária do site de relacionamentos Orkut. Segundo Oliveira, da SaferNet, 90% das denúncias de pedofilia provêm do Orkut. "O site se tornou o paraíso dos crimes cibernéticos", afirma. "Lá, os criminosos se sentem protegidos.

Desde que comprou o Orkut, o Google, que tem escritório no Brasil há quase três anos, se recusou a prestar informações e faltou a audiências judiciais para esclarecer a omissão diante dos crimes dos usuários. Por fim, em 2007, depois de muita pressão da sociedade e de ações civis públicas, a empresa firmou acordos extrajudiciais com representações estaduais do Ministério Público em Minas Gerais, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte.

O MPF negocia há dois anos um acordo com o Google. "Tenho esperança de que consigamos um avanço em breve", diz a procuradora Adriana. Segundo ela, foram negociados a fixação de um prazo para a manutenção de provas, o estabelecimento de filtros mais eficientes para publicação no site e uma campanha de conscientização dos usuários, por meio de publicidade sobre crimes cibernéticos na página.


Fonte: Gazeta do Povo, 30/03/2008.

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