Na Bolívia, líder do PCC negociou fornecimento de 1 tonelada de cocaína, além de fuzis e explosivos para atentados.
O primeiro encontro foi em Corumbá (MS). Era uma noite de sábado. Vindos de São Paulo, os emissários foram hospedados na cidade e levados à fronteira com a Bolívia na manhã do dia seguinte. Miguel, filho de Dom Eduardo, homem influente na região de Porto Quijaro, recebeu-os. Assim começou a viagem que tinha como objetivo fazer da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) uma organização internacional de tráfico de drogas, fechando um acordo com traficantes bolivianos ligados às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Buscava-se garantir o fornecimento de 1 tonelada de cocaína por mês, além de fuzis e explosivos para atentados.
Naquela manhã de janeiro, o telefone tocou na base de fronteira mantida pela polícia perto de Porto Quijaro. O policial boliviano que recebeu a ligação ouviu um pedido da parte de Dom Eduardo. Ele queria concessão de vistos de permanência de 90 dias na Bolívia para dois homens com quem pretendia fazer negócios. Eram Wagner Roberto Raposo Olzon, o Fusca, emissário enviado pela cúpula do PCC para tratar do acordo em nome da "família", como agora os chefões se referem à facção, e seu ajudante.
O relatório sobre a viagem foi apreendido pelos policiais das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) em poder de Fusca, preso em 28 de fevereiro, na Avenida Guilherme Cotching, na Vila Guilherme, zona norte de São Paulo. São quatro páginas escritas à mão em que o tesoureiro da facção conta detalhadamente a missão na Bolívia. Com o filho de Dom Eduardo, o PCC acertou a entrega de 50 a 70 quilos por mês do cocaína. O preço acertado foi de US$ 2 mil por quilo, mais R$ 1,5 mil de frete para cada "peça" transportada até São Paulo.
Depois desse primeiro acerto, o emissário da cúpula do PCC teve novo encontro. "Na segunda-feira, embarcamos para Santa Cruz (de la Sierra) de avião. Chegando lá, fomos recepcionados pelo Capilo e pelo Velhote", escreve Olzon. Ele esclarece que Capilo "é o careca paraguaio" e relata a chegada de mais um personagem dessa história, o traficante boliviano William, "alguém muito bem estruturado, que faz negócio com muitos dos nossos irmãos".
"Fomos todos para a mansão de William. Lá chegando, partimos para o ?papo reto?, dissemos para ele por que viemos e que viemos representando a família num todo e não viemos para fazer negócio pessoal para ninguém. Deixamos bem claro que, se algum dia alguém veio até eles fazer negócio pela família, foi golpe."
Olzon contou aos bolivianos e paraguaios "os trabalhos que a família desenvolve". Falou da ajuda a parentes de presos, das cestas básicas e do pagamento de advogados. "(Eles) entenderam e mostraram uma grande vontade de participar desse projeto nosso". Então, trataram do preço e das primeiras encomendas. Acertaram que William e Capilo mandariam dez peças (quilos) cada um. A família pagaria US$ 5 mil, com frete incluso. Estavam fechando o negócio quando chegou "um cara, amigo do William". O boliviano pediu licença e foi conversar com a visita. Quando o homem foi embora, William contou aos convidados brasileiros que o visitante "fazia parte das Farc e era técnico em bombas". Os emissários do PCC se interessaram e o boliviano revelou que seu amigo era "capaz de fazer aviões de brinquedo com explosivos, carros-bomba e explosivos pequenos que dá para colocar rapidamente em qualquer lugar com grande poder de explosão". "William nos disse que tem bastante explosivo plástico guardado, então dissemos para ele que isso é muito importante para nós também."
Por fim, Olzon e seu ajudante passaram a conversar com os bolivianos e paraguaios sobre a compra de "ferramentas" (armas). "Eles nos passaram canetas (fuzis) de US$ 4, 5 e 6 mil ." O pagamento dessa mercadoria deveria ser feito na Bolívia, mas o frete ao Brasil seria de graça. Olzon afirma aos seus superiores que William tem capacidade para suprir grandes encomendas e diz que o boliviano negocia com "muitos irmãos", um dos quais recebe 300 quilos e paga em dinheiro os carregamentos. O emissário garante no relatório que "há capacidade para entregar 1 mil (quilos de cocaína) aqui por mês".
O contato entre a família e o cartel da droga boliviano seria feito por meio de um homem conhecido como John, "que é amigo de Bombom". Integrantes da inteligência policial de São Paulo tentam há meses identificar Bombom. Sabe-se que ele e Carlos Antônio da Silva, o Balengo, estão entre os mais importantes integrantes da facção em liberdade. Balengo é responsável por roubos, entre outras operações, e Bombom e Olzon cuidavam da contabilidade e do tráfico. Em sua volta ao Brasil, Olzon escreveu o relatório para a cúpula da família. "Sobre nossa estrutura, estamos providenciando e passaremos via rádio, mas, para o que está chegando, está tranqüilo. Dentro de 30 a 45 dias estaremos prontos para fazer todo o trabalho."
Fonte: Folha Online
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