Para o professor Thiago de Carvalho, dispositivo tem sido usado de maneira indiscriminada e indevida. No Estado, foram registrados diversos crimes cometidos por detentos usando o aparelho
Para o professor, outras medidas alternativas à prisão, previstas na lei, deveriam ser mais utilizadas pela Justiça
Foto: Divulgação/Governo
O uso da tornozeleira eletrônica no Brasil deveria ser repensado. Essa é a opinião do advogado criminalista e professor de direito penal, Thiago Fabri de Carvalho. Segundo ele, o uso do dispositivo está ocorrendo de maneira indiscriminada. Na opinião do professor, não há necessidade de fazer o monitoramento eletrônico, como vem ocorrendo, em suspeitos de cometerem crimes considerados de menor gravidade, como furtos, porte ilegal de arma de fogo, entre outros.
"O uso da tornozeleira eletrônica é uma medida vexatória para quem usa. O indivíduo fica estigmatizado na sociedade e normalmente sofre preconceito, já que as pessoas tendem a vê-lo como um criminoso. E os juízes, em sua maioria, estão concedendo a tornozeleira para pessoas que normalmente não seriam presas, já que cometeram crimes sem violência, como o furto e o porte ilegal de arma de fogo. Acho que o aparelho deveria ser usado, por exemplo, em indivíduos que cometeram crimes contra o patrimônio, como roubos e assaltos, que apesar de serem crimes graves, não resultam na morte de outra pessoa", argumentou.
Carvalho lembra que o monitoramento eletrônico é, conforme o artigo 319 do Código de Processo Penal, uma das nove medidas cautelares diversas da prisão e serve como alternativa para restringir a liberdade de quem responde a processo criminal, a fim de evitar que o indivíduo atrapalhe seu andamento.
"Existem outras alternativas à prisão além da tornozeleira eletrônica, que também são muito importantes e limitadoras da liberdade, mas que têm sido pouco usadas. Ao meu ver, os juízes têm optado por essa medida porque, além de ser uma forma mais fácil de monitorar a pessoa, há diversos interesses por trás dessas decisões. Quanto mais eles determinam o uso do dispositivo, mais as empresas fabricantes vão lucrar".
O professor explica que a tornozeleira eletrônica é um dispositivo criado para monitorar os passos de suspeitos que aguardam julgamento em liberdade e é utilizado conforme determinação da Justiça. No entanto, segundo ele, alguns magistrados têm determinado o uso do aparelho de maneira equivocada.
"Muitos juízes decidem pela utilização da tornozeleira em pessoas que já cumprem pena e têm a progressão do regime. Alguns detentos do regime semiaberto, por exemplo, que podem passar o dia em liberdade, mas precisam passar a noite na prisão, estão usando o equipamento. Mas a lei não diz que ele precisa ser escoltado para ir trabalhar. Então porque ele precisaria usar a tornozeleira?", questiona.
De acordo com Thiago de Carvalho, o uso da tornozeleira eletrônica não tem cumprido com um de seus principais objetivos, que é reduzir a população carcerária no país.
"A tornozeleira surgiu numa tentativa de desafogar o caos do sistema prisional no Brasil. Ela serve para diminuir o número de presos preventivos, que ainda não foram julgados. No entanto, na prática, o número de presos provisórios não tem diminuído. Hoje em dia há mais detentos nessa condição do que cumprindo pena".
Crimes
No Espírito Santo, o dispositivo começou a ser utilizado em dezembro do ano passado. Desde então, alguns casos de detentos que utilizam o aparelho e continuam se envolvendo em ocorrências policiais foram registrados.
O mais recente aconteceu no dia 21, em Cariacica. Dois irmãos foram baleadosdurante uma tentativa de homicídio, no bairro Alto Boa Vista. Euder Alves, de 22 anos, e Thiago Alves, de 20 anos, foram feridos dentro de casa. Thiago usava uma tornozeleira eletrônica e o irmão dele havia acabado de sair do presídio.
Já na semana passada, na sexta-feira (17), um homem de 29 anos, que cumpre sua pena em regime semiaberto e utilizava a tornozeleira eletrônica, cometeu um assalto dentro de um ônibus do sistema Transcol. O assalto ocorreu no bairro Jardim Limeiro, na Serra. O suspeito teria usado uma faca para roubar dinheiro da cobradora e o celular de uma passageira.
Além de cometerem crimes, alguns detentos que usam o dispositivo aproveitaram do fato de não estar na cadeia para tentar fugir do monitoramento da Justiça. No dia 9 de junho, Elton Oliveira, de 30 anos, foi preso pela Polícia Militar, após ser abordado com a tornozeleira eletrônica na mochila. Ele estava na região da Vila Rubim, em Vitória.
Os policiais chegaram até o suspeito após denúncias anônimas de que ele estaria traficando drogas na região. Elton também cumpria pena no regime semiaberto, pelo crime de furto. Ele disse à polícia que havia retirado a tornozeleira há duas semanas e estava com mandado de prisão em aberto por ter faltado a uma audiência no Fórum da capital.
Em abril, dois presos que estavam em liberdade condicionada e utilizavam tornozeleiras eletrônicas em Linhares, no norte do Estado, conseguiram fugir do monitoramento da Justiça. Elizeu dos Santos Lima e Robério Vaz Bragança respondem por violência doméstica, conforme a Lei Maria da Penha, e deixaram a bateria do dispositivo acabar para conseguir fugir.
Outro detento que utilizava a tornozeleira eletrônica e também desrespeitou a determinação da Justiça, ultrapassando o limite permitido, se envolveu em uma tentativa de assalto a um policial militar, no dia 23 de abril, em Cariacica. Izaías Barnabé Júnior, de 19 anos, atirou contra o soldado, mas acabou sendo baleado e levado para o hospital. Um comparsa dele morreu e o outro conseguiu fugir.
O secretário de Estado da Justiça, Eugênio Ricas, alega, no entanto, que os casos de detentos que utilizam tornozeleiras eletrônicas e se envolvem em crimes corresponde a apenas 1% do total de presos nessa condição no Espírito Santo.
O professor Thiago de Carvalho lembra que, pela lei, o detento que desrespeita as regras da utilização da tornozeleira eletrônica é automaticamente preso.
"Nesse caso, o indivíduo quebra o pressuposto da utilização da tornozeleira. Ele só está usando o dispositivo porque o juiz depositou nele um voto de confiança, de que ele poderia ficar em liberdade com a condição de não cometer crimes ou desobedecer qualquer outra determinação. No momento que ele infringe essas regras, o juiz revoga a medida e decreta a prisão da pessoa", explicou.
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