quarta-feira, 15 de julho de 2015

Justiça de tornozelo

Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo; (1ª Carta de João, Cap. 2, Versículo 1). Nesta menção, atribui a Jesus o adjetivo Justo, como aquele que cria o Direito de si mesmo. Nas escrituras, é possível pensar em um Direito Equidade. E não interpretado como fruto de aplicação da lei, que surge de impulsos externos, não subjetivos, ao agente aplicador da lei. O Direito Processual Brasileiro enfrenta transformação revolucionária com a implantação do Processo Judicial Eletrônico, que consolida sua vocação para ser um instrumento de democratização do judiciário, exigindo dos agentes aplicadores do Direito e da Justiça coragem e atitude de justo. A equidade no campo do Direito é debatido como elemento da esfera subjetiva do indivíduo, sem relevância jurídica e desprovido de força cogente.

Desde a Constituição Federal, o povo brasileiro assume o protagonismo de sua cidadania e comparece cada vez mais ao judiciário para a efetivação de direitos e garantias legais e constitucionais. Uma sociedade dinâmica impõe a apreciação pelo judiciário de temas inéditos, como o das relações homoafetivas, analisado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal. Agora emerge o tema das tornozeleiras eletrônicas, que é pouco percebido no âmbito social midiático, mas importante para poupar os recursos do Estado e otimizar os processos de recuperação, ressocialização e reintegração humanitária de pessoas que tenham cometidos delitos.

O monitoramento eletrônico aplicado somente aos presos do regime aberto provoca distorções na aplicação da Lei de Execução Penal. Está transferido ao executivo o direito de decretar a prisão e prender o monitorado sem determinação judicial. O preso do regime aberto já está preso porque a lei é clara ao dizer que é devolvido ao sentenciado que cumpre a pena em regime aberto a autonomia de determinação de suas ações (art. 36 do CPB). O uso de tornozeleira eletrônica para os presos do regime aberto configura desperdício do dinheiro público, porque a lei já declara que nestes casos o sentenciado deve exercer atividades sem vigilância. Por isso é mais razoável que a tornozeleira eletrônica seja usada para presos de regime semiaberto que têm o benefício do trabalho externo, pois, para estes há a vigilância no exercício das atividades externas ao presídio. Isso permitiria a abertura de vagas em presídios sem a necessidade de novas construções, diminuiria custos e ampliaria o processo de recuperação dos presos. E hoje o Estado não tem conseguido criar vagas para trabalho, obrigando o juízo a permitir que os presos exerçam o trabalho externo por meio de cartas de emprego obtidas por familiares. 

Realidades sociais como esta se apresentam como novidade trazida por transformações ocasionadas pela evolução da tecnologia. Por isso convocam a sua análise. Na aplicação e interpretação da legislação, deve haver o uso do senso de justiça construído no âmbito subjetivo do juiz, quando permaneceu algum tempo lidando com a realidade do cárcere e suas enormes debilidades gerando despesas enormes para os cofres públicos e resultados pífios para a sociedade. Sendo justo o juiz deve, por equidade, ampliar o uso da tornozeleira para o regime semiaberto. É hora de restaurar, com a coragem que às vezes falta, a função do justo na atividade do magistrado.


*Advogado e Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG

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