Para o senso comum, que tem por base (como diz Claus Roxin) “o conhecimento profano” (ou seja: não científico), resulta crível que o aumento das penas seria o meio mais eficaz para diminuir a criminalidade. Esse senso comum se equivoca, dentre outros, no seguinte ponto: o “aumento da pena na lei” não significa automaticamente mais “certeza do castigo”. Muita gente imagina que a lei penal dura é automaticamente aplicada contra todos os criminosos. Ledo engano. A polícia não tem estrutura, a perícia foi sucateada, a Justiça é lenta etc. O senso comum (como diz Zaffaroni) comete o mesmo erro dos cavernícolas: depois de pintarem os animais nas paredes das cavernas eles se achavam possuidores desses animais.
O senso comum entende que a publicação da lei no diário oficial já significa mais punição dos criminosos. Não funciona assim o sistema penal. Nossa luta tem que ter como alvo a “certeza do castigo”, não a edição de novas leis penais (salvo as estritamente necessárias). E quanto mais o povo acredita na magia da lei penal mais severa, mais ele é vitimizado pelos políticos e governantes demagogos, aproveitadores e aduladores da vontade popular. É que a fabricação de uma lei não custa praticamente nada (já dizia Bentham).
O caso brasileiro é paradigmático: nossos legisladores já aprovaram de 1940 (data do nosso Código Penal) até 2015 mais de 150 leis penais, sendo quase 80% delas mais duras, mais severas. Nenhum crime, no entanto, em médio ou longo prazo, foi reduzido. Ao contrário, a criminalidade aumenta a cada dia (tínhamos 11 assassinatos para cada 100 mil pessoas em 1980, contra 29/100 mil em 2013). Não há sociedade mais ou menos complexa que tenha vivido sem leis penais e castigos. Mas as penas nunca eliminaram, nas sociedades complexas, a criminalidade. Leis, castigos, códigos, prisões, julgamentos, juízes, polícia, multas… tudo já se inventou contra o delito (e ele aí continua, desafiando todas as estruturas sociais). Aliás, a ciência penal se internacionalizou justamente porque a criminalidade está espalhada por todas as partes (C. Roxin).
Seguindo em linhas gerais (numa espécie de paráfrase) a magnífica exposição feita pelo catedrático de direito penal de Munique, professor Claus Roxin[1], no dia 4/9/2000, no Centro Cultural Jaime Torres Bodet (Cidade do México), impõe-se reconhecer que nunca a História da humanidade registrou a inexistência de crimes. Não há sociedade que não vivencie um número maior ou menor de delitos. A questão é como enfrentar esse problema?
Apesar das toneladas de estudos e teses, malgrado todo avanço científico, até hoje não existe consenso sobre como enfrentá-lo. Múltiplas são as opiniões e tendências político-criminais, que “mudam conforme a moda” (Roxin). Se tomarmos como parâmetro o número de homicídios, os países que mais sucesso alcançaram foram os que seguiram rigorosamente as sugestões de Beccaria (que escreveu um livro paradigmático sobre o assunto em 1764, Dos delitos e das penas). A síntese das suas sugestões (veja nosso livro Beccaria: 250 anos) é a seguinte: a pena não precisa ser necessariamente severa, sim, justa e infalível. É muito mais importante para o controle do crime a certeza do castigo que o volume intenso do castigo previsto na lei (que se sabe que raramente é aplicada). De outro lado, paralelamente à certeza do castigo é preciso cuidar da educação assim como das reformas socioeconômicas (isso se chama prevenção primária).
Os países escandinavos (Suécia, Noruega, Finlândia, Dinamarca e Islândia) assim como vários outros (Canadá, Alemanha, Espanha, Itália, Áustria, Nova Zelândia, Holanda etc.) que vivenciaram o Estado de Bem-Estar social (sobretudo nos 30 anos gloriosos: 1945-1975) e seguiram o padrão de Beccaria (prevenção primária + certeza do castigo) contam com menos de 1 assassinato para cada 100 mil pessoas. A combinação de educação forte + certeza do castigo acontece em vários países orientais (Japão, Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan, Hong Kong etc.): eles contam com menos de 2 assassinatos por 100 mil habitantes. Os EUA também vêm conseguindo reduzir sua criminalidade (conta com 4 homicídios para cada 100 mil), mas por outro caminho (que vamos desenvolver em outro artigo).
Nos países em que o Estado não cumpre (ou não cumpre bem) suas funções de prevenção e repressão (Estados econômica, política, social e juridicamente desorganizados) a peste da criminalidade (seja a fraudulenta, seja a violenta) ataca com mais virulência, eficácia e ostentação. Tudo que se faz acaba tendo pouca repercussão. O Brasil é um exemplo disso. Aprova muitas leis e a criminalidade continua crescendo; prende muito (300/100 mil habitantes) e o crime não diminui: em1990 contávamos com 90 mil presos; em junho de 2014 chegamos a 607 mil; isso significa um crescimento de 575% (com crescimento populacional de menos de 50%). Em 2000 tínhamos 232.755 presos. Daí para ca o crescimento foi de 161%. O Brasil é o 4º do mundo em população prisional (atrás de EUA, China e Rússia) (veja Relatório do Depen). Apesar das leis penais mais severas, prisões etc., o número de assassinatos de 1980 (11 para cada 100 mil pessoas) subiu, em 2013, para 29/100 mil (veja Datasus). Enquanto continuarmos equivocados achando que a “lei severa” significa automaticamente “certeza do castigo”, não vamos conseguir diminuir a criminalidade a patamares socialmente aceitáveis.
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