É corriqueira a alegação de que se interna muito, sobretudo quando a pauta do debate envolve adolescentes em conflito com a lei e as respectivas medidas socioeducativas. Costumeiramente a assertiva é feita de maneira afirmativa quase incontestável, como uma defesa prévia à eventual contestação do argumento posto como absoluto. Encerra e agrega, igualmente — embora veladamente —, o prejulgamento generalista (e equivocado) de que a internação, por si só, é sempre ruim.
Inobstante, conforme estudo recente do Ministério Público do Estado de São Paulo, a assertiva é inverídica, ao menos naquilo atinente à capital do estado.
A retórica do abuso na internação de adolescentes, com véus garantistas meticulosamente autotrajados, é reiterada especialmente em três canchas: dentre aqueles que, pouco familiarizados com a militância na seara da infância e juventude, à falta de experiência, deixam-se influenciar por opiniões equivocadas; em meio àqueles cujo discurso, desvirtuado pela paixão ideológica, afasta-se da análise cientifico-fática e ignora as constatações empíricas, para acomodarem seus sermões às indissociáveis — infortunadamente — crenças pré-concebidas; e entre os que, laxistas e politicamente comprometidos, recusam, tanto quanto possível, as verdades que lhes são inconvenientes.
Um levantamento estatístico ministerial, iniciado em agosto de 2014 e conduzido pela Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Capital, identificou que 61,8% dos atos infracionais em fase de execução de medida socioeducativa foram praticado com grave ameaça ou violência a pessoa — o que autoriza a internação sem prazo determinado, conforme artigo 122, inciso I do Estatuto da Criança e do Adolescente. Outra hipótese que também recomenda a internação definitiva é a reiteração no cometimento de outras infrações graves (inciso II do mesmo dispositivo).
Deste modo, conclui-se que mais de 61,8% dos casos (atos infracionais praticados com grave ameaça ou violência a pessoa acrescidos das hipóteses de reiteração no cometimento de outras infrações graves) poderia ensejar a aplicação de medida socioeducativa de internação sem prazo determinado (artigo 112, inciso VI combinado com artigo 122, incisos I e II).
Mas não foi isso o que se constatou.
O mesmo estudo apontou que apenas 43,5% das execuções de medida socioeducativa em curso envolveu aplicação de internação. Neste cálculo foram incluídas, além da internação por prazo indeterminado (artigo 112, inciso VI), as internações provisórias (artigo 108), e a internação-sanção (artigo 122, inciso III). Forçoso concluir, portanto, que as internações sem prazo determinado correspondem a menos de 43,5% das medidas socioeducativas aplicadas.
Se mais de 61,8% das execuções poderia redundar na aplicação de medida socioeducativa de internação sem prazo determinado, mas isso ocorre em menos de 43,5% das hipóteses, a conclusão é automática: na capital de São Paulo não se interna muito. Ao contrário. Poder-se-ia internar mais.
Está, aqui, revelado o mito do excesso de internações de adolescentes. E, ao menos na cidade de São Paulo, ele é falso.
Tiago de Toledo Rodrigues é promotor de Justiça, membro do Movimento Ministério Público Democrático (MPD) e coordenador da coluna MP no Debate
Daniela Hashimoto é promotora de Justiça da Infância e Juventude da Capital (São Paulo).
Revista Consultor Jurídico, 6 de julho de 2015.
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