A criminologia é uma ciência de homens, sobre homens e para homens, e que apenas eventualmente inclui a mulher como objeto de estudo, afirma Soraia da Rosa Mendes, doutora em Direito, Estado e Constituição, mestre em Ciência Política, especialista em Direitos Humanos e professora das cadeiras de direito penal, processual penal e constitucional da Universidade Católica de Brasília. É dela o provocante Criminologia Feminista — Novos Paradigmas, em primeira edição pela Saraiva, livro no qual articula a defesa de uma nova forma de se analisar e trabalhar processos de criminalização e vitimização de mulheres, sob a perspectiva de gênero.
O trabalho é resultado do que ela chama de "um estado de inconformidades e desassossegos", a começar pela escassez de estudos no Brasil sobre a condição feminina, seja como autora de crimes, seja como vítima, que não estejam referenciados em "paradigmas criminológicos conformadores de categorias totalizantes, que se distanciam muito ou totalmente do que produziu a epistemologia feminista". Para Soraia, é preciso romper as amarras e ir além dos modelos conhecidos, projetar novas questões e encarar o desafio de construir novos paradigmas. Não é fácil, admite, ao pontuar que, mesmo entre as mulheres que se dedicam ao tema, são poucas as que defendem a existência autônoma de uma criminologia feminista.
Para compreender o "etiquetamento" feminino, como autora ou como vítima, nos dias atuais, Soraia recorre à raízes históricas, quando o poder patriarcal e o poder punitivo articularam-se para a custódia da mulher pela família, pela sociedade e pelo Estado. Com o passar dos séculos, diz, a imagem "da mulher criminosa" foi sendo construída a partir de estereótipos, baseados em um discurso quase sempre ligado ao pecado, sem jamais se preocupar em aprofundar a relação crime — mulher. Foi nesse caldo de cultura e com o auxílio da sociologia, da filosofia e do próprio direito, que ela recolheu os fundamentos para "o trabalho artesanal de coser elementos para uma criminologia feminista". A herança é pesada, afirma, ao destacar que "o ideário medieval inquisitorial ainda persiste e isso talvez se explique pelo modo como o poder punitivo se consolidou ao longo dos tempos, sob as bases de um amplo esquema de sujeição, que teve nas mulheres seu principal alvo".
Na pesquisa de campo realizada para o livro, Soraia Mendes se debruçou sobre o imenso contingente de mulheres presas por envolvimento com o tráfico de drogas e chegou a uma conclusão que, se não chega a surpreender, contribui para jogar luz sobre uma questão que considera exemplar: a maior parte dessas mulheres não aparece como chefes de organizações. "São, na verdade, mulas e foram presas por levarem drogas de um lugar para outro e até mesmo a presídios para maridos e namorados. Ocupam nessas organizações os mesmos espaços que ocupam na sociedade: um papel subalterno, de responsabilidades bem menores", afirma. Tal constatação, segundo ela, é suficiente para demonstrar a necessidade de incluir elementos na construção de uma narrativa a respeito da mulher encarcerada, nos quais a perspectiva de gênero precisa estar presente. "É preciso perguntar a esta mulher como era a sua vida antes da condenação", acrescenta.
No livro, ela propõe a adoção de um programa de direito penal mínimo específico para as mulheres, baseado em direitos fundamentais, bem como no direito de ser protegida contra a violência de gênero. "E aí está o porquê de minha decisão de investigar, e de responder afirmativamente, que é possível uma criminologia feminista, uma criminologia que não será “a” criminologia feminista, mas “uma” criminologia feminista, em respeito à diversidade de feminismos e suas correspondentes epistemologias", reforça. "Uma criminologia a partir da qual a análise do proibir, do julgar e do condenar tem como pressuposto um processo de custódia que articula tanto o que está dentro, quanto o que está fora do sistema de justiça criminal".
Serviço:
Autora: Soraia da Rosa Mendes
Editora: Saraiva
Edição: 1ª Edição — 2014
Número de Paginas: 232
Preço: R$ 74,00
Robson Pereira é editor da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 31 de março de 2014
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