Se fosse apenas uma demonstração de eficiência dos Ministérios Públicos (MPs) estaduais e da Procuradoria-Geral da República no cumprimento de suas atribuições funcionais, o mutirão contra a corrupção - integrado por 158 promotores - mereceria aplauso. Infelizmente, porém, ele foi realizado com propósitos corporativos e políticos.
Opondo-se à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 37, que reserva a função de Polícia Judiciária às Polícias Federal e Civil e retira do MP a competência para promover investigações criminais, promotores e procuradores usaram o mutirão para pressionar o Congresso - e, mais grave, não ocultaram a intenção. "O MP está mobilizando a sociedade no sentido de mostrar que o que se deseja com a PEC 37 é concentrar as investigações num único órgão do Estado, a Polícia. É um retrocesso gigantesco para a persecução penal e para o combate à corrupção", disse o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Se a PEC for aprovada, o MP não terá autonomia para requisitar diligências, instaurar inquéritos e acompanhar as investigações. Para Gurgel, isso institucionalizaria a impunidade.
Deflagrado pelo Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (Gncoc), que é integrado por procuradores-gerais de Justiça, o mutirão teve a participação de auditores de Tribunais de Contas, técnicos da Controladoria-Geral da União e fiscais da Receita Federal, além de agentes policiais, num total de 1.300 pessoas. A missão era cumprir 337 mandados de busca e apreensão e prender 92 acusados de corrupção - entre prefeitos, ex-prefeitos e secretários municipais.
Mais do que um ato de protesto, essas operações midiáticas são uma verdadeira tentativa de retaliação contra políticos, por parte do MP. Em São Paulo, por exemplo, onde a Assembleia Legislativa também discute uma PEC à Constituição estadual que retira dos promotores a prerrogativa de propor ações que envolvam agentes públicos, o mutirão grampeou o telefone de dois deputados estaduais. Eles são acusados de participar de um esquema de fraudes com emendas parlamentares, negociar contratos irregulares entre prefeituras paulistas e empreiteiras e desviar verbas dos Ministérios das Cidades e do Turismo.
Em Minas Gerais, o mutirão prendeu um homem que transportava R$ 790 mil e 50 mil euros com suspeita de origem ilícita. Segundo os promotores, ele teria ligações com o presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, deputado José Geraldo Riva (PSD), que responde a 102 ações penais e de improbidade administrativa e é acusado pelo MP estadual de desviar recursos públicos por meio de notas frias e empresas fantasmas. Em Rondônia, o mutirão resultou na prisão do ex-prefeito de Porto Velho Roberto Sobrinho (PT), acusado pelos promotores estaduais de chefiar um esquema de desvio de recursos da Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano. No Rio Grande do Norte, o mutirão abriu investigação contra duas prefeituras - Macau e Guamaré - acusadas de promover shows musicais superfaturados e de aplicar irregularmente royalties do petróleo. As duas cidades estão entre as maiores produtoras de petróleo do Estado.
Com o mutirão, promotores e procuradores podem ter mostrado serviço, mas isso não significa que a PEC 37 - de autoria de um deputado que é delegado de polícia aposentado - não seja procedente. Além da conhecida animosidade entre as duas corporações, é preciso ficar claro que investigação criminal sempre foi, por princípio, atividade de polícia. Ao Ministério Público não compete investigar - mas, isto sim, determinar a abertura da investigação. No Estado de Direito, quem acusa não deve ter a prerrogativa de investigar, sob pena de se pôr em risco o devido processo legal e ferir liberdades públicas e individuais.
A conversão do Ministério Público num órgão superdimensionado compromete o salutar princípio do equilíbrio entre os Poderes. O País muito ganharia se o MP e os órgãos policiais exercessem seus respectivos papéis com eficiência - o que proporcionaria uma Justiça menos sujeita a improvisações e a rivalidades corporativas.
O Estado de S.Paulo. 11.04.2013
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