João Baptista Herkenhoff
A discriminação do aposentado não é uma questão técnica simplesmente. Seria uma questão técnica se envolvesse apenas aspectos contábeis. É questão ética porque ultrapassa os limites de simples considerações de ordem financeira.
Por Ética devemos entender todo o esforço do espírito humano para formular juízos tendentes a iluminar a conduta de pessoas, grupos humanos, povos, sob a luz de um critério de Bem e de Justiça.
Esse critério de Bem e de Justiça, que ilumina a Ética, prescreve que as novas gerações sejam gratas às gerações mais velhas.
A ideia de reverência aos velhos esteve presente em muitas culturas, ao longo dos séculos. E mesmo hoje, quando uma cultura capitalista, monetarista, utilitária, desligada de qualquer compromisso ético, pretende impor-se ao conjunto da Humanidade, ainda assim vozes ancestrais teimam em dizer que a terceira idade merece homenagem.
Recorrendo a notícias de jornal verifico dois fatos que ilustram o que estou dizendo.
A primeira notícia registra o caso de uma aposentada que morreu durante a remoção, por ambulância, de um pronto-atendimento para um hospital.
A idosa teve um mal estar. Não sendo atendida no plantão do pronto-atendimento, foi levada por familiares para o hospital. Mesmo diante de uma crise de pressão arterial, tardaram os primeiros cuidados. Um auxiliar de enfermagem tentou tirar, sem êxito, a pulsação da paciente. Nem essa situação aflitiva evitou que a idosa permanecesse na maca, sem maior atenção. Após apelos insistentes da filha, a presença da aposentada foi notada, mas aí apenas para constatar que havia falecido.
Outro caso ilustrativo é o da criação de um auxílio-saúde para determinada categoria de servidores públicos.
Em que faixa de idade mais pode ser reclamado, com razão e justiça, um auxílio-saúde? Em que faixa de idade as pessoas gastam mais com medicamentos?
Não é preciso convocar especialistas para responder essas duas perguntas. O senso comum dá a resposta. Se considerarmos correto e adequado que servidores percebam auxílio-saúde, os destinatários desse benefício devem ser, em primeiro lugar, os idosos.
Mas quem ficou fora do auxílio-saúde acima mencionado? A resposta a essa indagação não é óbvia, como foi óbvia a resposta única das duas indagações anteriores. Muito pelo contrário. A resposta é surpreendente. Os idosos ficaram de fora. Os idosos não precisam de auxílio-saúde.
Os fatos mencionados neste artigo são circunstanciais, episódicos. Foram apresentados como simples exemplo para que a reflexão não ficasse teórica demais. A substância deste texto, entretanto, é o julgamento ético dos fatos. Esse julgamento ético, de peremptória condenação, ajusta-se a quaisquer situações como as descritas.
João Baptista Herkenhoff, 76 anos, Magistrado (aposentado), palestrante por todo o Brasil, escritor. Autor de Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (Editora GZ, Rio de Janeiro).
P. S. – É livre a divulgação deste texto, por qualquer meio ou veículo, inclusive através da transmissão de pessoa para pessoa.
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