quarta-feira, 24 de abril de 2013

Limitação de poderes impede MP de investigar


Muito se tem discutido nos dias atuais sobre o poder de investigação criminal realizada com exclusividade pela Polícia Judiciária com o objetivo de se garantir, com argumentos ardilosos, uma “exclusividade sem controle” pelo Ministério Público na titularidade de investigações criminais.
O debate em torno do tema espinhoso da titularidade da investigação criminal, com claros contornos jurídico-científicos, foi midiatizado de forma inoportuna, vez que verdadeiros “planos de marketing” sem compromisso com a realidade foram criados pelo Ministério Público para tentar induzir o raciocínio de parte da sociedade leiga e de setores da grande mídia.
Nos termos atuais, polarizou-se a discussão em dois pontos. De um lado, membros do Ministério Público se levantando contra um suposto monopólio do poder de investigação criminal pelas Polícias Judiciárias. Doutra banda, a OAB e as Polícias Judiciárias defendendo não o monopólio da investigação pelas polícias (como alguns, com desonestidade intelectual, querem fazer crer ao grande público e à classe política), mas a impossibilidade de que o MP o faça sem qualquer participação das Polícias Judiciárias, de maneira subterrânea, sem qualquer controle pelo Poder Judiciário, sem publicidade, ou seja, feita por um membro do “ministério público investigador” que se auto controla e, por conseqüência, investiga sem qualquer limite.
Inicialmente, portanto, é preciso que a discussão seja colocada nos verdadeiros trilhos, quais sejam: “não se trata de alijar o ministério público de qualquer acesso e participação em investigações criminais, mas de impedir que ele seja autor isolado, sem qualquer controle, em detrimento de direitos e garantias fundamentais do cidadão, em uma concentração de poderes que não faz bem a nenhuma instituição, pois que ingrediente para o cometimento de abusos e arbitrariedades”.
Em um congresso, ainda nos tempos de faculdade, recordo-me que se discutia sobre a definição de Direito. Em um dado momento, um conferencista, o ilustre professor e jurista Hugo de Brito Machado, expressou a seguinte opinião: “verdadeiros compêndios foram escritos sobre a definição de Direito, mas nenhum deles é, minimamente, válido se não contiver a limitação de poderes e, por conseguinte, a contenção do arbítrio”. A limitação de poderes, verdadeiro bastião do Estado Democrático de Direito é, pois, o argumento inicial e incontrastável que impede o desenvolvimento de investigação criminal de maneira isolada pelo Ministério Público.
Em termos constitucionais, é de hialina clareza a opção do legislador pelo modelo de investigação criminal conduzida, exclusivamente, pela Autoridade Policial com a participação de membros do Ministério Público, senão vejamos o artigo 144, § 1º, IV, que determina que cabe à Polícia Federal “exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”.
É evidente; e para isso basta consultar os anais do Congresso Nacional em torno dos debates sobre a questão; que quis o legislador constituinte que apenas a polícia judiciária, embora com amplo acesso do ministério público e, por óbvio, sobre o controle de legalidade do Poder Judiciário, exerça tal função. Sinteticamente, é patente, óbvio ululante, que não há qualquer dispositivo no ordenamento jurídico pátrio que permita ao Ministério Público conduzir investigações criminais e, muito menos, de forma isolada.
Em posturas claramente apaixonadas, com evidentes contornos institucionais, alguns defensores da tese encampada pelo Ministério Público fazem o seguinte questionamento: “o que fazer se membros das instituições policiais estiverem envolvidos com o crime?” Por essa eventual possibilidade, alguns dizem que o Ministério Público deve conduzir o processo investigatório, bem como capitanear investigações autonomamente.
Simplista e até ingênuo é o referido argumento. Em verdade, a corrupção é um fenômeno humano e não parece razoável crer que membros de qualquer outra instituição sejam alienígenas, dotados de caráter divino, detectado durante os concursos de ingresso nas respectivas carreiras. Percebido qualquer envolvimento do investigador policial com o crime investigado ou em benefício do criminoso, diversos mecanismos de controle podem frustrar a empreitada, haja vista o acompanhamento do próprio Ministério Público, o controle de legalidade do Poder Judiciário e, ainda, a atuação das Corregedorias De Polícia.
De modo diverso, o que dizer de uma investigação conduzida apenas por um membro do MP, sozinho, sob seu próprio controle? Certamente, caso o condutor da investigação incorra em crime, dificilmente os fatos criminosos virão a lume, eis que acessível apenas ao investigador ministerial. Exemplo atual da inconveniência da tese defendida pelo Ministério Público reside nas suspeitas, ainda que possam ser indevidas, de que o atual Procurador Geral da República teria deixado de atuar, criminosamente, após receber inquérito policial que aponta o suposto envolvimento do ex-senador Demóstenes Torres com o “bicheiro Carlos Cachoeira”.
Caso a investigação tivesse sido levada a efeito, isoladamente, pelo Ministério Público, os fatos viriam à tona? Seriam de conhecimento da sociedade brasileira? A resposta razoável é, com grandes chances, que não. Parafraseando o ilustre ex-Procurador Geral da República Antonio Fernando de Souza, diria que “instituição séria e democrática não é, sendo isso possível, apenas a instituição onde não existam criminosos, mas sim aquela em que detectado um membro criminoso, este seja combatido, expurgado, punido de maneira exemplar, com rigor”.
Salutar seria que o Ministério Público, o fiscal da lei, instituição de incomensurável importância para o Estado Democrático de Direito, atuasse ombreado às Polícias Judiciárias no sentido de fortalecer essas instituições para um combate efetivo ao crime e não, por mera política de fortalecimento institucional, tentar concentrar poderes que não possui, em afronta evidente ao diploma constitucional em vigor e ao indispensável pilar de sustentação do Estado Democrático de Direito, a limitação de poderes.

Antonio Carlos Cunha Sá é delegado de Polícia Federal e especialista em Direito Público pelo Instituto Brasiliense de Direito Público.
Revista Consultor Jurídico, 9 de janeiro de 2013

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