A maior autoridade do Ministério Público afirmou, em rede nacional, que a aprovação da PEC 37 representará um retrocesso gigantesco para a persecução penal no país.
A assertiva acerca dos efeitos práticos da aprovação do citado projeto de emenda constitucional, após a exibição de imagens de operações “anticorrupção”, parece-nos querer desvirtuar a essência da discussão jurídica sobre as funções do Ministério Público, especificamente no âmbito das investigações penais.
Como sabem todos que militam diuturnamente, não só na seara criminal, mas no âmbito jurídico como um todo, o Ministério Público possui enormes poderes investigativos, propícios ao chamado combate à corrupção, tais como inquéritos civis públicos (artigo 8º, parágrafo 1º da lei 7.347/1985), que quase sempre —quando bem sucedidos— se transformam em Ações Civis de improbidade e até mesmo em Ações Penais por crimes comuns, vide suas atribuições exclusivas previstas no artigo 26 de sua Lei Orgânica, também no artigo 257 do Código de Processo Penal e, por último e mais importante, no artigo 129, inciso III, da Constituição da República.
Não condiz com a realidade afirmar que a PEC 37 pretende engessar o Ministério Público e impedir que ele conduza investigações contra a corrupção. Aliás, é de suma importância ter o maior número de instituições, com capacidade jurídica e técnica para agir nesse sentido.
A PEC, ora em trâmite, atribui com exclusividade às polícias a função de investigar diretamente as infrações penais, não modificando os poderes atuais do Ministério Público, que possui, como já dito, um vasto arsenal de mecanismos jurídicos com esta finalidade.
A Constituição Federal assegura como prerrogativa do Ministério Público requisitar diligências investigatórias e a imediata instauração de inquérito policial, vide artigo 26, inciso IV da Lei 8.625/1993.
Os que defendem que o MP pode, no âmbito penal, investigar diretamente, afirmam que se ele pode requisitar inúmeros atos, por que não os fazer diretamente?
Em nosso sentir, o grande receio se assenta na enorme insegurança jurídica que paira sobre a possibilidade do Ministério Público conduzir, isoladamente, internamente e diretamente investigações criminais e algumas indagações merecem a nossa reflexão:
Quem irá fiscalizar seu agir?
Qual norma jurídica irá regular essa atuação?
Quais serão os crimes que o MP irá investigar? Aqueles que seus membros desejarem?
Quais são os limites desse poder de investigação?
A construção sistemática de mecanismos de freios e contrapesos é elementar em um Estado Democrático de Direitos, obediente ao devido processo legal.
A Polícia Judiciária (Civil ou Federal) investiga, o Ministério Público determina diligência, fiscaliza se a polícia está agindo com correção, pode (e deve) participar diretamente dos atos investigativos, solicita junto ao Poder Judiciário medidas para viabilizar a produção de provas cautelares e, depois de percorridas todas essas etapas, formula —se entender que houve o cometimento de um crime e que suas circunstâncias estão minimamente comprovadas— acusação a um juiz de direito, que irá efetivamente julgar a causa, após o contraditório.
Comparações sempre são temerárias, ainda mais com nações que possuem outro sistema jurídico, como os Estados Unidos, sendo certo que utilizar exemplos alienígenas, oriundos de países que julgamos mais avançados em sua democracia, nem sempre é garantia de uma boa comparação.
O Ministério Público possui uma gama enorme de atribuições e, no âmbito do direito penal, funciona como fiscal da lei (artigo 275, inciso II do CPP), podendo e devendo, como muitos membros o fazem, ir contra a acusação oferecida inicialmente se entender que esta não restou comprovada.
Sua atuação é ampla: instaura investigações civis e as apura, promove ações penais públicas como acusador e funciona como fiscal da lei ao mesmo tempo (!), além de tantas outras atribuições essenciais ao bom funcionamento da Justiça.
É inegável que o combate à corrupção é necessário e imperioso para um país que almeja sair da condição de subdesenvolvido e que pretenda ser uma referência para seus vizinhos de continente e, quiçá, para o mundo. A questão não se circunscreve em uma disputa particular entre Ministério Público e polícias, mas sim entendermos e respeitarmos o nosso próprio sistema jurídico, que apregoa independência e autonomia de funções.
O primeiro passo para se alcançar esse sonho é ter normas claras para atuação de todos os seus órgãos, reduzindo ao mínimo qualquer interpretação subjetiva, não concedendo poderes indefinidos ou demasiadamente amplos a um ente sob o bons auspícios de paladinos da justiça, combatentes da corrupção.
Gustavo Alves Pinto Teixeira é advogado criminalista.
Revista Consultor Jurídico, 17 de abril de 2013
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