terça-feira, 4 de agosto de 2009

Pesquisa traça perfil dos presos por tráfico de drogas

Tem sido cada vez mais comum, no Brasil e no mundo, a discussão a respeito da postura que as políticas sobre drogas devem ter com relação à diferenciação entre o uso e o tráfico de drogas. Debates sobre a flexibilização das sanções por porte e/ou uso estão na pauta da revisão da lei em diversos países, com especial destaque a Portugal, o primeiro de todos a descriminalizar oficialmente o porte de qualquer droga para consumo próprio. Aqui no Brasil o conceito é confuso: portar drogas ainda é crime passível de pena, mas não de prisão. Uma tipificação subjetiva, que gera confusão e abre as portas para a extorsão. Mas para quem pensava que é só nessa questão do uso e do porte que nossas leis são discutíveis, uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Justiça, que será apresentada oficialmente amanhã, no Rio, mostra que as punições ao tráfico de drogas em si também andam carecendo de uma reflexão muito mais profunda.

A pesquisa “Tráfico e Constituição: um estudo sobre a atuação da Justiça Criminal do Rio de Janeiro e do Distrito Federal no crime de tráfico de drogas” foi encomendada pelo Ministério ao Núcleo de Política de Drogas e Direitos Humanos da UFRJ. O trabalho foi coordenado pelas especialistas Luciana Boiteux e Ela Wiecko, e traz dados surpreendentes, principalmente para quem achava que o rigor das nossas leis contra o tráfico (considerado crime hediondo no Brasil desde 1988) era eficiente na repressão à distribuição de entorpecentes em larga escala no país. O que a pesquisa mostra é que a maioria dos condenados por tráfico no Brasil é de réus primários, que foram presos sozinhos, desarmados e com pouca quantidade de droga. Peixes pequenos, enfim, cujo encarceramento não influi uma vírgula na estrutura do tráfico e só contribui para aumentar o caos no nosso sistema penitenciário, cada vez mais especializado em "pós-graduar" criminosos de pequena monta nas artes do crime organizado. E, de fato, isso acontece, considerando-se que boa parte desses jovens encontra no tráfico seu "primeiro emprego". Ou seja, trabalham no mercado do crime, são presos, fazem "pós-graduação" no assunto na cadeia e, oito anos depois, são devolvidos à sociedade para a (impossível) ressocialização.

Segundo a pesquisa, o Brasil tem hoje 180 mil presos em regime fechado. Destes, 70 mil são condenados por tráfico de drogas, sendo 30 mil em São Paulo e 8 mil no Rio. No universo de condenados por tráfico no Rio entre outubro de 2006 a maio de 2008, o trabalho dos técnicos da UFRJ observou que:

- 84% são homens
- 66% são réus primários
- 91% foram presos em flagrante
- 60% estavam sozinhos quando foram presos
- Apenas 14% portavam armas no momento do flagrante e da prisão
- 38% foram presos com cocaína
- 54% foram presos com maconha
- 42% foram flagrados e presos portando menos de 100 gramas de maconha
- 58% estão condenados a penas de 8 anos ou mais de reclusão em regime fechado


Os resultados da pesquisa não param aí, e serão mais detalhados nesta quarta-feira no Viva Rio. Porém, um dos dados que mais chamou a atenção dos autores do trabalho foi o último da lista acima, sobre o percentual de condenados a mais de 8 anos de prisão.

- Isso mostra que temos nas cadeias uma massa de traficantes de pequena monta com condenações muito rigorosas. Pode ser um sinalizador de que é preciso repensar o perfil dessas prisões, tentar entender se isso vai realmente resolver o problema, diz a advogada Luciana Boiteux.

Entre as propostas de revisão na lei que o estudo suscita, ainda segundo Luciana, está a idéia de criar categorias diferenciadas de tráfico, a fim de gerar uma maior proporcionalidade de penas.

- Desde a Constituição de 1988, nossa lei vê o tráfico como crime hediondo e ponto. Não importa se o réu é primário, se usou de violência ou não, nem se vendeu 100 gramas ou 100 quilos. As penas são as mesmas, o que gera um desequilíbrio no rigor das punições. E isso é agravado pelo fato de que, na prática, como a pesquisa identificou, só vai pra cadeia quem vende no varejo - diz Luciana, sabedora de que, no Brasil, quem produz ou vende no atacado (os traficantes realmente da pesada), esses raramente são presos, que dirá julgados.

Fonte: O Globo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sou bacharel em Direito e funcionário publico no estado do Paraná. Trabalho em um centro de socioeducação de jovens infratores.
Conheço bem os jovens envolvidos com o tráfico. Este tornou-se um negócio nos moldes do setor empresarial, havendo hierarquias funcionais, competitividade entre as "firmas" etc etc. O que seduz os jovens é realmente a possiblidade de ganhar numa noite o que seu pai assalariado, quando tem um emprego, ganha em um mês. Numa sociedade extremamente consumista onde a capacidade de ser feliz está diretamente associada a capacidade de consumo, os jovens são atraídos facilmente para o sistema do crime organizado. Lamentável. Penso que a solução não seja legal mas por outras vias muito mais difíceis que envolvem uma reestruturação social com ênfase e investimentos nos jovens.

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