sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Lei de crime organizado não pode ser aplicada

Enquanto não houver uma definição do que é uma organização criminosa, a lei que trata dos crimes cometidos por esses grupos (Lei 9.034/05) não deveria ser aplicada. Esta é a opinião do advogado e professor de Processo Penal da PUC-Rio, Diogo Malan, que criticou decisão do Supremo Tribunal Federal de aceitar como prova escutas ambientais feitas no escritório do advogado Virgilio Medina, irmão do ministro Paulo Medina, investigado na Operação Hurricane por acusação de venda de sentenças.

Malan, que participou do painel Prova ilícita e direitos fundamentais durante o 15º Seminário Internacional do IBCCrim em São Paulo, entende que os ministros do Supremo deveriam ter discutido o conceito de organização criminosa antes de aplicar a lei, já que não se sabe se as acusações que pairam sobre o advogado e o ministro podem ser enquadradas na Lei das Organizações Criminosas.

Se chegassem a conclusão de que não se trata de uma organização criminosa, a infiltração de agentes para fazer escutas ambientais no escritório não seria permitida. O advogado reclama ainda da falta de regulamentação para a captação desse tipo de prova, que invade a privacidade e a intimidade do réu, numa afronta a garantias constitucionais.

Esta decisão do Supremo se deu em novembro de 2008, nos autos do Inquérito 2.424. Ficaram vencidos os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio e Eros Grau. A defesa argumentava a ilicitude da prova. Além disso, os advogados questionavam o fato de que as únicas provas são resumos feitos por agentes da Polícia Federal de milhares de horas de grampos telefônicos e gravações ambientais. Outra reclamação era a de que não tiveram conhecimento pleno de todas as degravações que deporiam contra seus clientes.

O desembargador José Eduardo Carreira Alvim, também réu neste inquérito, foi grampeado pela Polícia Federal por dois anos e meio. Nesse período, foram encontradas apenas duas ligações suspeitas, que não somam um minuto de conversa. O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende o ministro Paulo Medina, afirmou que o ministro foi grampeado por seis meses, mas não consta da denúncia um único diálogo dele.

O Plenário do Supremo, apesar de reconhecer que pode ter havido abuso, observou que essa foi a única forma de investigar juízes de importantes tribunais suspeitos de práticas de crimes no exercício da função. “O Poder Judiciário suporta tudo, menos a perda da sua credibilidade”, afirmou o relator, ministro Cezar Peluso. O presidente da corte, ministro Gilmar Mendes, observou que, “apesar de existir disfuncionalidade no modelo atual, estamos diante de uma situação específica, em que a única forma de investigação foi o grampo”.

Para o professor Diogo Malan, o STF decidiu errado ao dar maior peso aos interesses da persecução penal do Estado em detrimento das garantias individuais. Ainda mais porque a Lei das Organizações Criminais não traz os procedimentos para a coleta de provas através dos meios que prevê, o que dá margem, como reconheceu a corte, a abusos, disse.

Ele discorda da tese de alguns colegas de que o conceito de crime organizado que consta na Convenção de Palermo (Decreto 5.814/06) dê base para a aplicação da nossa Lei de Organizações Criminosas. Para o advogado, esse conceito só serve para delimitar os parâmetros da cooperação internacional no combate desse tipo de grupo.

“Não é um tipo penal incriminador. Não há previsão de pena. Sem um tipo penal de organização criminosa, o STF não poderia ter chancelado o uso daquele tipo de prova”, afirma. Segundo ele, a lei não prevê parâmetros para a infiltração de agentes e nem os limites para que a polícia faça a gravação ambiental. Na falta de lei, diz, provas como as gravações ambientais são ilícitas.

A distinção entre domicílio, que é inviolável, e o escritório do advogado réu na ação também foi alvo de críticas por parte de Diogo Malan. “Os escritórios de advocacia gozam do mesmo regime constitucional dispensado aos domicílios. Esse cânone da inviolabilidade domiciliar se fundamenta no princípio da dignidade humana.”

Revista Consultor Jurídico, 28 de agosto de 2009

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