A pesquisa “Tráfico e Constituição: um estudo sobre a atuação da Justiça Criminal do Rio de Janeiro e do Distrito Federal no crime de tráfico de drogas” foi encomendada pelo Ministério ao Núcleo de Política de Drogas e Direitos Humanos da UFRJ. O trabalho foi coordenado pelas especialistas Luciana Boiteux e Ela Wiecko, e traz dados surpreendentes, principalmente para quem achava que o rigor das nossas leis contra o tráfico (considerado crime hediondo no Brasil desde 1988) era eficiente na repressão à distribuição de entorpecentes em larga escala no país. O que a pesquisa mostra é que a maioria dos condenados por tráfico no Brasil é de réus primários, que foram presos sozinhos, desarmados e com pouca quantidade de droga. Peixes pequenos, enfim, cujo encarceramento não influi uma vírgula na estrutura do tráfico e só contribui para aumentar o caos no nosso sistema penitenciário, cada vez mais especializado em "pós-graduar" criminosos de pequena monta nas artes do crime organizado. E, de fato, isso acontece, considerando-se que boa parte desses jovens encontra no tráfico seu "primeiro emprego". Ou seja, trabalham no mercado do crime, são presos, fazem "pós-graduação" no assunto na cadeia e, oito anos depois, são devolvidos à sociedade para a (impossível) ressocialização.
Segundo a pesquisa, o Brasil tem hoje 180 mil presos em regime fechado. Destes, 70 mil são condenados por tráfico de drogas, sendo 30 mil em São Paulo e 8 mil no Rio. No universo de condenados por tráfico no Rio entre outubro de 2006 a maio de 2008, o trabalho dos técnicos da UFRJ observou que:
- 84% são homens
- 66% são réus primários
- 91% foram presos em flagrante
- 60% estavam sozinhos quando foram presos
- Apenas 14% portavam armas no momento do flagrante e da prisão
- 38% foram presos com cocaína
- 54% foram presos com maconha
- 42% foram flagrados e presos portando menos de 100 gramas de maconha
- 58% estão condenados a penas de 8 anos ou mais de reclusão em regime fechado
Os resultados da pesquisa não param aí, e serão mais detalhados nesta quarta-feira no Viva Rio. Porém, um dos dados que mais chamou a atenção dos autores do trabalho foi o último da lista acima, sobre o percentual de condenados a mais de 8 anos de prisão.
- Isso mostra que temos nas cadeias uma massa de traficantes de pequena monta com condenações muito rigorosas. Pode ser um sinalizador de que é preciso repensar o perfil dessas prisões, tentar entender se isso vai realmente resolver o problema, diz a advogada Luciana Boiteux.
Entre as propostas de revisão na lei que o estudo suscita, ainda segundo Luciana, está a idéia de criar categorias diferenciadas de tráfico, a fim de gerar uma maior proporcionalidade de penas.
- Desde a Constituição de 1988, nossa lei vê o tráfico como crime hediondo e ponto. Não importa se o réu é primário, se usou de violência ou não, nem se vendeu 100 gramas ou 100 quilos. As penas são as mesmas, o que gera um desequilíbrio no rigor das punições. E isso é agravado pelo fato de que, na prática, como a pesquisa identificou, só vai pra cadeia quem vende no varejo - diz Luciana, sabedora de que, no Brasil, quem produz ou vende no atacado (os traficantes realmente da pesada), esses raramente são presos, que dirá julgados.
Um comentário:
Sou bacharel em Direito e funcionário publico no estado do Paraná. Trabalho em um centro de socioeducação de jovens infratores.
Conheço bem os jovens envolvidos com o tráfico. Este tornou-se um negócio nos moldes do setor empresarial, havendo hierarquias funcionais, competitividade entre as "firmas" etc etc. O que seduz os jovens é realmente a possiblidade de ganhar numa noite o que seu pai assalariado, quando tem um emprego, ganha em um mês. Numa sociedade extremamente consumista onde a capacidade de ser feliz está diretamente associada a capacidade de consumo, os jovens são atraídos facilmente para o sistema do crime organizado. Lamentável. Penso que a solução não seja legal mas por outras vias muito mais difíceis que envolvem uma reestruturação social com ênfase e investimentos nos jovens.
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