sábado, 15 de agosto de 2009

Artigo: Barbárie! O que fazer com esses réus?

O completo portal contábil e jurídico "Netlegis" de hoje revela-nos um exemplo estarrecedor do grau de perversidade a que chegam determinados indivíduos. Situações como essas induzem-nos a pensar na pena de morte para casos que revelam doentio desprezo pela dor alheia. Ao que parece, evaporado o medo da cadeia, somente o medo da morte pode inibir alguns que entraram na vida do crime, pegaram gosto pela coisa e queimaram todos os caminhos de volta.


O caso é o seguinte: um humilde agricultor, que vivia com sua companheira surda-muda, a mãe dele – de quase noventa anos –, e um filho de nove, em Vila Nova Samuel, zona rural de Candeias de Jamari, Rondônia, teve, ainda consciente, seus olhos arrancados com faca. Isso porque, ao ser assaltado, tinha no bolso apenas R$35,00. Os bandidos ainda tentaram cortar sua língua, que ficou “apenas” mutilada.


A vítima, Paulo Teixeira dos Santos, ao sair de um bar contratou um moto-taxista para levá-lo até o sítio onde morava. Pagaria R$20,00 pela corrida. Ao partirem, a vítima notou que foram seguidos por outro motoqueiro. Depois, verificou, tardiamente, que era um comparsa do “taxista”. No meio do caminho, o motoqueiro-taxista parou seu veículo e exigiu da vítima que lhe desse todo o dinheiro que tinha no bolso. Como a vitima alegou e mostrou que tinha apenas os R$35,00, os dois motoqueiros ficaram indignados. O agricultor foi socado no estômago e depois na nuca. Já no chão, um dos assaltantes puxou seu cabelo para trás, imobilizando- o, enquanto o outro, com uma faca, arrancou seus olhos e ainda tentou cortar sua língua, desistindo da tarefa, certamente não por bondade.


Depois dessas “cirurgias” sem anestesia a vítima desmaiou. Recobrando os sentidos, arrastou-se e acabou sendo socorrido por um sitiante.


Os réus, irmãos, foram condenados a 10 anos, em regime fechado. O agricultor, inutilizado pela cegueira, sem recursos e com três bocas para alimentar, moveu ação de indenização contra o Estado de Rondônia, alegando que um dos réus havia fugido da cadeia um ano antes e vivia – sem nenhuma preocupação de ser preso – na cidade em que sempre havia vivido, ao que entendi não distante da prisão de onde fugira. Como era muito temido, ninguém na cidade procurou a polícia para informá-la da presença do fugitivo na cidade.


A vítima – palmas para esse bom advogado – pediu uma indenização alegando que o poder público de Rondônia falhara em dois pontos: por não conseguir manter preso um condenado e porque nunca se empenhou minimamente em capturar um fugitivo que nem se deu ao trabalho de mudar de residência após a fuga. Na primeira instância, o Estado foi condenado a pagar pensão de um salário-mínimo e uma indenização de R$16.000,00. A vítima apelou. O Tribunal dobrou a pensão e aumentou a indenização para R$50.000,00, acatando as razões invocadas pelo agricultor.


O que nos interessa, agora, não é discutir o valor da indenização. É analisar o grau de deformação da mente de dois indivíduos, que tiveram o sangue-frio de arrancar os globos oculares de um homem em plena consciência e que nunca lhe fizera mal algum. Apenas era “culpado” de não ter em seu bolso, naquele momento, mais de R$35,00. E tão seguros estavam da impunidade que nem se preocuparam em matar a vítima para não serem denunciados. As penas impostas foram adequadamente fixadas e, se não conseguirem fugir da cadeia – como já ocorreu com um deles –, não há mais o que se examinar. Cumpriu-se a lei. Até aí, tudo certo, legalmente.


Tal exibição de barbárie suscita, porém, uma indagação: não seria o caso de nossa Constituição Federal ser reformada, de modo a deixar para o legislador ordinário a tarefa de autorizar ou proibir – conforme o nível maior ou menor criminalidade – a pena de morte em casos especialmente bárbaros, comprobatórios da ausência de inibição de criminosos empedernidos? Pessoas que nunca foram presas vêem com horror a possibilidade se serem jogadas em prisões, notadamente as brasileiras. Todavia, depois de algumas condenações, já meio acostumadas com a vida carcerária, muitos reclusos, se condenados a penas altíssimas, não vêem porque não continuar praticando crimes, dentro e fora das grades. “Não tendo nada a perder”, porque condenados a penas extensas, sabendo que só sairão da cadeia dentro de um caixão, passam a aplicar golpes pelo telefone. E, se enriquecidas no crime, notadamente no tráfico de drogas, podem se dar ao luxo de decretar a pena de morte de qualquer um, em qualquer parte do país. Uma ordem, leitor, e vossa senhoria estará morto em quinze dias, se assim houver por bem decidir um criminoso com dinheiro suficiente para transmitir a ordem de sua execução.


Se a sociedade não tem como se defender de criminosos que já estão presos e condenados a longas penas, seria o caso de se pensar em uma penalidade ainda mais forte que a prisão. Qual seria? O leitor tem a resposta.


Não me venham dizer que a maldade gratuita – “Perdão, gratuita não! ele só tinha R$35,00!” – dos dois irmãos em referência só pode ser fruto da vida de pobreza e sofrimento. Esses não eram tão pobres. Possuíam motos e moravam em casas. A se desculpar sempre os atos criminosos, considerando seus autores vítimas da sociedade, teríamos que desculpar e absolver também grandes financistas ou políticos que, apesar de milionários, continuam a lesar número indeterminado de pessoas. Não seria tal “procedimento incoerente” um indício de doença mental, a merecer apenas tratamento psiquiátrico em clínica de luxo, portanto sem trauma para o doentinho?


Nunca soube, felizmente, de um advogado alegar à sério, em favor de seu cliente de colarinho alvíssimo, dizendo que “O réu, Excelência, deve ser absolvido porque sua mente foi contaminada pela verdadeira doença mental da cobiça desenfreada. Moléstia inoculada insidiosamente – em uma alma que nasceu pura – pela baixa moralidade do capitalismo selvagem. Culpado não é meu cliente, Excelência, mas sim o ambiente deletério da alta finança, que envenena os melhores espíritos. Se houver alguma culpa individual, será dos seus pais, que não moldaram corretamente o caráter do pimpolho desde o tempo em que mamava! A culpa, senhor juiz, é dos peitos, digo, do sistema, que nem previne nem, muito menos, recupera os desorientados nessa batalha diária de todos contra todos, cada um precisando salvar sua reputação provando que não é menos esperto no ganhar dinheiro, muito dinheiro!”


Ironia à parte, a Organização das Nações Unidas já firmou posição contra a pena de morte. Certamente, pensando no mau uso, no desvirtuamento dessa punição, aplicada, por vezes, com a finalidade de eliminar inimigos políticos. Penso, porém, que, em certos momentos e em certos países, seria um remédio necessário quando esgotado o receio normal da prisão, porque nela já está o criminoso.


Penso que chegará o dia em que as pessoas serão punidas mais em razão do mau caráter e perversidade do ato praticado do que pelo artigo de lei violado, à maneira dos robôs. A intenção pesará mais que a tabela rígida da “tipicidade”. É pena que os habitantes dos países não tenham voz sobre os assuntos que mais lhes interessam. Em alguns tópicos a democracia é mera ficção.


(25-6-09)

Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues
Escritor - Desembargador aposentado

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