terça-feira, 7 de outubro de 2008

No Dia Mundial dos Sem Teto, questão da moradia segue pendente em vários países

No Dia Mundial dos Sem Teto, celebrado hoje (06), a questão da moradia segue pendente em vários países. Segundo informações do Encontro Internacional das Pessoas sem Moradia Estável, ocorrido em Roma no ano passado, são cerca de 1 bilhão de pessoas sem teto em todo o mundo.

No Brasil, enquanto os dados oficiais revelam que 8 milhões de famílias vivem sem habitação, os movimentos sociais rebatem: são 20 milhões de famílias que vivem na precariedade habitacional.

Em entrevista a Adital, Evaniza Rodrigues - militante dos movimentos de moradia de São Paulo, membro da coordenação da União Nacional por Moradia Popular e do Fórum da Reforma Urbana - fala sobre o assunto.

Adital - O Brasil conta com um déficit habitacional alarmante. São 8 milhões de famílias, segundo dados do Fórum Nacional de Secretários de Habitação. Como avaliam as ações públicas para reverter esse quadro?

Evaniza Rodrigues - Este número de 8 milhões esconde ainda duas questões: a primeira é que o déficit é cada vez mais concentrado nas regiões metropolitanas (cerca de 30% estão nas RMs) e também tem empobrecido cada vez mais, já que mais de 90% são de famílias com renda inferior a 3 salários mínimos. Além disso, não está aí considerado, o enorme déficit qualitativo, que significa as famílias que vivem em assentamentos precários, onde falta infra-estrutura, as moradias não têm a qualidade necessária (milhares de famílias sequer têm banheiro) ou onde não há regularização do terreno. Isso soma mais 20 milhões de famílias que vivem na precariedade e nos indica que o poder público deve ter estratégias desenhadas para atender às diferentes necessidades, especialmente aquelas com pequena capacidade de acesso aos financiamentos disponíveis tanto no mercado quanto na esfera pública.

O poder público precisa atuar na garantia do acesso à terra urbanizada, bem localizada à população de mais baixa renda. Em geral, os conjuntos habitacionais são construídos nos locais mais distantes e sem nenhuma infra-estrutura, equipamentos sociais e oportunidades, enquanto o mercado imobiliário formal deixa os melhores espaços para "engorda", especulando com seu valor em momentos de crescimento econômico, como vemos agora. Até hoje, apesar de dispormos de inúmeras ferramentas legais, como o Estatuto da Cidade e os planos diretores, pouco tem sido feito para reverter essa lógica.

Adital - Os movimentos pró-moradia têm crescido e se organizado amplamente nos últimos anos. Dá para fazer um balanço das conquistas que já tiveram neste período?

Evaniza Rodrigues - Nos últimos anos temos visto avanços, especialmente em nível federal na política nacional de habitação. Conquistas como o Sistema, o Fundo e o Conselho de Habitação, o aumento de recursos na habitação, os investimentos em urbanização de favelas, o programa Crédito Solidário são exemplos de lutas de anos dos movimentos transformadas hoje em políticas públicas.

No entanto, o movimento avalia que é preciso avançar muito mais e ser muito mais ousado para que as ações do poder público enfrentem de fato aonde a falta de moradia mostra seu lado mais cruel.

Recentemente, junto à entidades de diversos segmentos sociais, lançamos a Campanha Nacional pela Moradia Digna que apóia a aprovação de uma Emenda Constitucional, vinculando recursos orçamentários para habitação, a exemplo da saúde e educação. Segundo a PEC, 2% do Orçamento da União e 1% dos orçamentos estaduais e federais deverão ser destinados aos fundos de habitação. Essa medida elevaria o montante dos recursos subsidiados destinados à moradia popular, compondo um horizonte possível para o fim da falta de moradia no país. Ver em: www.moradiadigna.org.br.

Adital - Como lidar com a criminalização, sobretudo da grande mídia, que marginaliza as manifestações como os protestos e ocupações?

Evaniza Rodrigues - A criminalização das lutas sociais e também a perseguição à lideranças populares tem atravancado a luta dos movimentos. Só podemos acreditar em uma sociedade realmente democrática, quando ela não só permitir, mas inclusive estimular a organização de movimentos autônomos, de base e de luta. A grande mídia geralmente criminaliza as ações - somos chamados de invasores, que tumultuamos o trânsito, etc - ou espetaculariza a desgraça, nos despejos, enchentes ou desmoronamentos. Tratam-nos de uma maneira que gera ainda mais preconceito, desinforma e desmobiliza, tratando a conquista de direitos como uma conquista individual, onde o coletivo não tem vez.

Adital - Muitos governos têm aberto espaço para o acesso de movimentos sociais em políticas de cunho participativo. Este envolvimento tem sido satisfatório?

Evaniza Rodrigues - A UNMP defende a participação em espaços institucionais como uma das ferramentas para o exercício do controle social e avanço nas políticas públicas. Os Conselhos e Conferências têm sido um espaço importante que os movimentos devem ocupar e formular propostas. Também avaliamos como muito importante o reconhecimento pela sociedade e pelos governos dos movimentos populares como interlocutores, onde nós podemos falar por nós mesmos.

No campo da habitação e do desenvolvimento urbano, essas instâncias ainda são novidade. A maioria dos estados e municípios ainda não os implementaram e em muitos lugares vemos a participação de "faz-de-conta". Precisamos exigir que esses espaços sejam, de fato, deliberativos e que exerçam controle sobre as políticas e investimentos públicos.

O Conselho Nacional das Cidades ainda não é deliberativo e a integração das políticas de desenvolvimento urbano ainda é uma meta a ser conquistada. Além disso, precisamos estar sempre atentos para que a participação nesses espaços não substitua a boa e velha mobilização, organização e pressão popular. Só com o povo na rua, construímos, de fato, o direito à moradia e à cidade.

Adital.

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