quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Artigo: Reformas pontuais x reforma abrangente

Vivemos hoje em nosso país uma situação de extrema complexidade no que diz respeito à operacionalização do Direito.

Enquanto na esfera do Direito Privado os conflitos de grande monta são, cada vez mais, resolvidos por meio de arbitragem e, portanto, extrajudicialmente; no âmbito da Justiça Criminal, vive-se um momento de insegurança social, agravada pelos meios de comunicação, que "vendem" a idéia de que a criminalização de condutas e o agravamento de penas funcionam como forma de se "combater" a criminalidade. Tal discurso apresenta reflexos no processo legislativo que, por meio de edição de leis esparsas, procura conter a criminalidade.

No intuito de refrear e conter a criminalidade, criam-se tipos penais abertos como, por exemplo, o artigo 1º da Lei de Crime Organizado e restringem-se as garantias constitucionais.

Opera-se, assim, uma total inversão de valores.

Já no âmbito processual penal, tem-se tentado a introdução de ritos processuais buscando a celeridade da Justiça, como forma de se demonstrar a eficácia do Judiciário perante a criminalidade. Toma-se, como exemplo, a Lei dos Juizados Especiais Criminais.

Tais reformas quer no âmbito penal, quer no âmbito processual penal, apresentam em comum o fato de serem reformas pontuais.

Um dos aspectos mais criticados nas ditas reformas pontuais é a falta de coerência dessas inúmeras leis editadas, entre si, e com a sistematização adotada pelo Código Penal e Processual Penal. Isso tem dificultado imensamente o trabalho dos operadores do Direito.

Não é de hoje que se critica a falta de sistematização em legislações, pois já no tempo das Ordenações Filipinas, uma das grandes reinvidicações era a edição de Códigos Penal e Civil, a fim de se ter uma legislação compilada, que facilitasse o trabalho dos operadores do Direito e o conhecimento das leis por parte da população.

A esse respeito, grande parte dos nossos renomados juristas defende as reformas pontuais, invocando a proibição constitucional de se modificar o Código Penal e Processual Penal por meio de Lei Delegada.

Não obstante a dificuldade em se realizar uma reforma global, entendemos ser esta a única forma de se modificar e modernizar nossas codificações, sem que tenhamos uma ruptura em nosso sistema jurídico.

O dilema a que chegamos está em optar-mos por uma reforma global (passando pelas dificuldades já de todos conhecidas para sua realização), ou realizarmos as chamadas reformas pontuais, certamente mais fáceis de serem executadas, porém tendo como conseqüência inevitável a ruptura do nosso sistema jurídico.

Somos da opinião de que é preferível uma reforma global a mudanças pontuais (que têm "retalhado" o nosso ordenamento jurídico) assumindo todas as dificuldades para sua realização.

Afinal, é preferível uma codificação ultrapassada, porém sistemática, a uma legislação moderna, porém sem a desejável coerência.

Daí a importância das palestras dos professores Antonio Vercher Noguera, Carlos Romeo Casabona e Manuel da Costa Andrade, representantes da Espanha e de Portugal – países que recentemente reformaram seus Códigos Penal e Processual Penal – a fim de que apresentem suas experiências, que podem servir como parâmetro para eventual reforma no Brasil.

Importantes, também, as palestras dos professores Ada Pellegrini Grinover e Julio Maier, que representando o Brasil e a Argentina poderão esclarecer as dificuldades hoje existentes e as necessidades de reformulação de nossos códigos. Nesse passo, ainda, é de sumo interesse a palestra do Ministro Francisco de Assis Toledo, Presidente da Comissão responsável pela reforma do Código Penal.

A discussão que se colocará será de extrema relevância e atualidade, e poderá indicar novos rumos para solucionar conflito "reformas pontuais x reforma abrangente".


Roberto Podval Advogado criminal

Tatiana V. Bicudo Promotor de Justiça e 3º e 2º secretários do IBCCRIM

PODVAL, Roberto, BICUDO, Tatiana Viggiani. Reformas pontuais x reforma abrangente. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.45, p. 01, ago. 1996.

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