quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Artigo: Quase tudo sobre um assalto

De repente eles estão no interior de sua casa. São muitos. Estão armados. Querem parecer fortes, machos, decididos. Agem como policiais, aos gritos, e nos prendem com algemas. Metem socos, mandam ficar de cabeça baixa, só querem saber onde está o cofre, o ouro, o dinheiro. Metem nas cabeças das mulheres os revólveres reais e de brinquedos. São assaltantes com desempenho de policiais. Exercitam uma relação que só existe por meio das trocas que eles estabelecem no cotidiano. Uns roubam, outros capturam mercadorias roubadas. Uns invadem sem lei, outros dão flagrantes com lei. Ou é mais ou menos isso e aquilo? Ambos ameaçam de morte. Na maioria das vezes, desconhecem o bom-senso e por isso matam: demente maioria! Ambos exigem obediência incondicional; são covardes, fracassam e precisam dos negócios ilegais com armas, cofres, ouros, dinheiros. Entram e saem de delegacias e prisões impregnadas de negócios e bolor. Tudo deve acabar num negócio ligeiro. Tolo é o cidadão que acredita em recuperação pelo trabalho ou pela religião. Insano o que defende pena de morte. Não há saída pelas penas encarceradoras ou capital (pena capital, o luzidio nome da morte). Eles fazem parte dos negócios de pastores e de empresas com presos; comércios legais e ilegais. Os assaltantes são apenas parte desse amontoado de mortos-vivos que ninguém recupera, e que desde criança quase ninguém notou; quando dele se aperceberam foi como parte do contingente de insuportáveis. Ele rouba com seu revólver, máscara e pose aprendida pela TV e estudada diante do espelho. Ele toma o seu computador e os carrinhos de brinquedos. Para si, para seu filho, para o filho da sua companheira, para seu irmão? Por nada e por quase tudo! Não se veste como pobre, mas como classe média 25 de março. São civis, quem sabe cidadãos! Não vivem para serem recuperados, mas para alimentar programas de reabilitação de irrecuperáveis, liderados por devotos e ongueiros. Não há programas de punição a céu aberto, nem prisão, nem direitos disso ou aquilo que irão contê-los. Eles existem para gerar empregos úteis e fazer repercutir a seletividade do sistema penal. Suas existências sustentam a empregabilidade dos serviços. Eles são imperativos para novas reformas penais, para os tribunais, para novas empresas de controle eletrônico, para o seguro de morte. Vivem pela morte de cada um de nós. Vivem para aumentar a segurança, a polícia, o medo... Vivem para morrer por isso. E podem te levar. E pouco importa se te levam. Às vezes, são notícias na imprensa, no telejornal... Eles não têm nada a dar ou perder. São os filhos dessa vida conformista, emburrecida, assistencial, paranóica, lucrativa, negociada, sombria e claudicante numa época conservadora e moderada. Te chamam de filho da puta, te mandam ficar quieto, te levam objetos e roupas, as chaves da casa, mas não levam a minha coragem. Me deixam mais forte. Continuo um abolicionista penal mais raçudo. Não há castigo, prisão, encarceramento a céu aberto que não produza cada vez mais o assaltante solitário, o perdedor radical, a quadrilha, os partidos do crime, os comandos multicoloridos, as polícias nessa insana defesa da moral fundada em penas e recompensas. Não adianta reformar a escola e aumentar os direitos quando tudo deve ser feito para permanecer amedrontador: no dia-a-dia, no programa do político candidato, nos tribunais, na maioria das casas. Êta maioria untuosa! Estamos todos presos! Não pergunte quem eu sou, e não espere que eu seja o mesmo.

Edson Passetti
Professor livre-docente da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP e coordenador do Nu-Sol (Núcleo de Sociabilidade Libertária)

Boletim IBCCRIM nº 191 - Outubro / 2008

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