Existe uma inversão de valores no uso do Direito Penal. O chamado “bem jurídico” pertencente à sociedade não deve ser pivô da condenação de alguém. Pelo contrário, deve ser entendido como o direito fundamental de um indivíduo diante de uma afronta, inclusive diante de uma ação penal. O entendimento é do renomado professor e doutrinador Juarez Tavares (foto), que palestrou nesta quarta-feira (22/10) na XXII Conferência Nacional dos Advogados, que acontece no Rio de Janeiro.
Tavares propôs um novo entendimento à luz dos limites do Direito Penal e da Constituição: “O bem jurídico não existe como uma entidade autônoma da própria sociedade. O bem jurídico é a expressão das desigualdades e do conflito social. Não é possível criar um conceito de bem jurídico que escape a esses contextos sociais”, explicou. Ele chamou de “positivismo exegético” as fundamentações genéricas — como a moralidade pública — de tipos penais com base em bens jurídicos. “O que é mais saudável é não usá-los como constituidores da proteção, mas como pressuposto da incriminação. Os bens jurídicos servem como referência para que as pessoas não sejam incriminadas”, concluiu.
O advogado Pedro Paulo de Medeiros, por sua vez, falou do mito da lei penal como instrumento de combate à criminalidade, entendido como populismo penal. “A resposta imediata para a sensação de segurança da sociedade tem sido o Direito Penal, mas ninguém pergunta se esse é o remédio adequado”, explicitou ele. “Você tem que ir à raiz do problema.” O aumento do número de crimes, segundo o advogado, está diretamente relacionado ao aumento da população, sem necessariamente haver um ganho qualitativo.
Juliano Breda (foto), presidente da OAB-PR, também falou no evento. Ele abordou os limites éticos do Estado no uso da da delação premiada. “A delação tornou-se a reencarnação moderna dos medievais meios de obtenção de provas. Lá com sangue, aqui com tecnologia. Lá combatia-se a heresia, aqui a corrupção como inimigos do Estado”, disse. Segundo Breda, o “plea bargaining” anula séculos de desenvolvimento científico do Direito Processual Penal e transforma o Direito Penal em mero instrumento do processo penal para a obtenção de provas.
O professor Paulo Barrozo discorreu sobre os desafios democráticos do Direito Penal. Para ele, quando democracias punem, o condenado não é o único a sofrer a punição, mas as próprias democracias. “O modo de punir reafirma a forma e a substância do próprio Estado”, afirmou.
A desembargadora Simone Schreiber, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, discorreu sobre a publicidade opressiva e a Justiça penal. Segundo ela, o aparente conflito entre liberdade de expressão e o devido processo legal, no contexto de profunda pressão da mídia em casos amplamente divulgados, não deve se encerrar na ideia de que a liberdade de expressão é absoluta. “É possível aplicar medidas de proteção que não implicam o cerceamento da liberdade de expressão, como o sequestro de jurados”, disse Simone. “Há também o segredo de Justiça, que poderia ferir a liberdade de expressão e até a censura por um determinado período de tempo.”
A influência da mídia nos julgamentos penais também foi abordada pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay (foto), que falou sobre o exercício de defesa nesses processos. “Com os vazamentos da mídia, o segredo de Justiça passou a não beneficiar o réu, e precisamos ter informantes nos jornais para saber o que vai ser dito”, criticou ele. “A mídia virou uma instrumento para pré-julgar nossos clientes.”
Jacinto Coutinho, advogado e professor, com diversos livros publicados sobre o assunto, comentou a positivação de delitos previstos em convenções internacionais. O mundo cibernético intensificou a troca de ideias e disso decorreu, segundo ele, o intercâmbio de normas. “O problema não é a globalização, mas o neoliberalismo”, afirmou, sobre os problemas do processo de integração.
Alexandre Wunderlich, conselheiro federal da OAB-RS e coordenador do departamento de Direito Penal e Processual Penal da PUC-RS, comentou a reforma do Código Penal Brasileiro. O projeto foi alvo de severas críticas em 2013. “A doutrina penal brasileira praticamente é uníssona contra esse projeto”, criticou. “Sentimos saudade da reforma penal, ainda em tempos da ditadura, em 1984, da parte geral do código.” O novo compêndio de leis penais, segundo Wunderlich, tem até um viés liberal positivo, mas acaba perdendo-se na sanha punitiva. “Nenhum dos pontos favoráveis está contido no substitutivo apresentado no fim de 2013”, completou.
A mesa de debates teve como presidente o advogado José Roberto Batochio, acompanhado do também advogado e conselheiro federal pela OAB gaúcha Renato da Costa Figueira, que atuou como relator. O advogado Jorge Aurélio Silva foi o secretário da mesa. Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB.
Revista Consultor Jurídico, 22 de outubro de 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário