segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O profiling criminal é a velha novidade que devemos dominar (parte 1)


A qualidade da investigação policial é fundamental para o debate democrático no processo penal. Embora tenhamos delegados de polícia e investigadores muito bem intencionados, na maioria dos casos, por deficiência material e técnica, diversas investigações são açodadas e mal aparelhadas. Daí a importância do denominado profiling criminal, ou seja, da análise comportamental no contexto investigativo[1], de caráter multifatorial, no qual é considerada a personalidade do autor, o significado e o contexto do ato praticado (elementos biológicos, psicológicos e sociais). A partir das pistas, dos rastros levantados durante a investigação e mediante a triangularização do apurado, muitas vezes pode-se estabelecer o perfil do agente e desenvolver linhas de investigação, inclusive com técnicas apropriadas de perguntas e entrevistas.
Não se trata de espetacularização das séries televisivas (CSI ou Law and Order), mas da sofisticação da abordagem, a qual pode propiciar, de um lado, a apuração escorreita e, de outro, a amplitude da defesa, dado que a apuração penal não fica à mercê da intuição dos agentes estatais. Sofre, por evidente, diversas críticas e não pode, nunca, servir de mecanismo isolado de prova. Entretanto, mesmo sem que se tenha feito referência expressa, a investigação sobre o matador de Goiânia, Tiago Henrique Gomes da Rocha, traz consigo indicativos de um perfil psicológico que poderia auxiliar na sua descoberta. Pelo que consta, teria feito 39 vítimas fatais, sendo 15 mulheres e oito moradores de rua. Morava com sua mãe, não tinha pai registrado, mas padrasto e era o filho predileto, além de ser religioso.
Claro que não podemos apurar o perfil criminal do agente, mas podemos dizer que os indicadores já apurados, desde que analisados a partir da análise comportamental, poderiam ajudar no esclarecimento anterior das condutas e, quem sabe, ter evitado as posteriores. Isso porque os padrões de comportamento podem ser analisados a partir das características dos homicídios apurados, como aconteceu em outros países. É verdade que somente recentemente foram designados delegados de polícia específico para tal função, os quais conseguiram imagens de furtos de placas, depoimentos de sobreviventes, podendo, com isso, apurar o retrato falado do agente.
De qualquer forma, as relações entre os objetos encontrados nos locais dos crimes, as gravações, o perfil das vítimas e o modus operandi do agressor poderiam ter servido, antecipadamente, para o esclarecimento dos fatos. Uma das abordagens seria a do “Profiling Geográfico”, desenvolvido por Kim Rossmo. Assim é que se poderia ter lançado mão da metodologia do “princípio do mínimo esforço” e do “princípio da distância”´. Ou seja, ao mesmo tempo em que não pode ser muito longe de sua residência, não será muito perto, levando-se em conta a densidade populacional, o espaço pessoal disponível, gerando o que se denomina “zona de segurança”. A proximidade da residência aumenta o risco de ser reconhecido ou descoberto, daí que procura locais distantes, mas não tão longe que não conheça o terreno. Resultado disso é a formulação da “Teoria do Círculo”, pela qual a residência do agressor deverá estar situada, em média, à mesma distância de todos os locais do crime.
Na apuração do caso em Goiânia se constatou: “Uma vizinha que habita em frente à casa de Rocha, a técnica em segurança do trabalho Carmem Reis, 27, declarou que os dois eram amigos. Carmem afirmou que o rapaz nunca saía de casa. Depois de voltar do plantão noturno como vigia em um hospital público, por volta das 7 horas, ele dormia até as 11 horas. Algumas vezes, ela o via preparado o próprio almoço, arrumando algum cômodo da casa e lavando as roupas dele. Rocha assistia à televisão em um aparelho de 14 polegadas, um presente de Carmen: ‘Eu dei a tevê porque ele disse que não tinha em casa, porque a mãe é evangélica e não tinha esse costume’, contou ela”. É um traço indicativo.
A partir desta nova possibilidade, estabelecem-se regularidades em face do comportamento criminal (fatores genéticos, neurobiológicos, bioquímicos e farmacológicos), aspectos psicológicos, formação e desenvolvimento da personalidade, análise do local do crime, da vitimologia forense, todos eles vinculados ao desvelamento do caso investigado. Não se pode apostar todas as fichas na análise comportamental, a qual deve ser entendia como uma técnica investigativa auxiliar na compreensão do crime, especialmente nos denominados serial killer, cunhada por Robert Ressler. O que se pode afirmar, com segurança, é que precisamos melhorar a qualidade da investigação e, com isso, do contraditório judicial, longe de presunções, estigmas e paralogismos. É a aposta que fazemos.

[1] KONVALINA-SIMAS, Tânia. Profiling Criminal: análise comportamental no contexto investigativo. Lisboa: Rei dos Livros, 2012.

 é doutor em Direito Processual Penal, professor Titular de Direito Processual Penal da PUC-RS e professor Titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Mestrado e Doutorado da PUC-RS.
 é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC.
Revista Consultor Jurídico, 24 de outubro de 2014.

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