A mesma população que rejeita presídios em suas cidades é a que cobra mais eficiência da Justiça para tirar de circulação o infrator da lei
O cineasta Michael Haneke poderia ter se inspirado em um caso ocorrido neste ano em Santo André (SP) para emocionar as plateias do mundo todo com o longa “Amor”.
No filme e na história do ABC Paulista, um casal de idosos vive um drama quando a mulher adoece e, paulatinamente, vai definhando. Nos dois casos, o marido, sem suportar mais ver o sofrimento da companheira, elege a morte como alívio e mata a mulher. Em “Amor”, o marido se suicida. No ABC, Enrique Gomez, 78, foi preso.
Outro caso para reflexão é o de um pai que, às vésperas do Dia das Crianças, furtou uma boneca para dar à filha e ficou preso por meses. Esses são apenas alguns exemplos que nos levam a concluir que falta um olhar mais humanizado a respeito do encarceramento. Esse pai que furtou uma boneca, assim como o marido que se comoveu diante do padecimento da mulher, deveriam ocupar celas já lotadas do nosso sistema penitenciário?
Em São Paulo, a população carcerária corresponde a 40% dos presos de todo o país. Há hoje mais de 219 mil pessoas encarceradas, o quádruplo desde 1995. Ingressam no sistema prisional, em média, 306 presos por dia. Com a construção de 49 penitenciárias, das quais 16 já foram inauguradas, o governo paulista gerará mais 50 mil vagas.
Haverá, sem dúvida, um impacto muito positivo, mas, se levarmos em conta a progressão do número de presos –São Paulo é o Estado que mais prende no país– seria necessário construir um presídio e meio por mês com capacidade para 500 presos para atender à demanda.
E se a opção do governo paulista fosse a de investir em construções mensais, teríamos ainda de lidar com a resistência da população e das prefeituras em aceitar a construção de presídios em seus municípios. A mesma população que repudia presídios instalados em suas cidades é a que cobra eficiência da polícia e da Justiça para tirar de circulação o infrator da lei penal. Quer vê-lo atrás das grades, de preferência bem distante.
Por outro lado, o Executivo ainda enfrenta diversas ações perpetradas pela Defensoria Pública ou pelo Ministério Público com o objetivo de desativar prisões que não estariam adequadas às normas internacionais. Isso ocorre mesmo considerando que, desde a implosão do Carandiru, o governo vem investindo de forma ininterrupta na melhoria do sistema carcerário. E estamos longe de situações extremas, como a do Complexo de Pedrinhas, no Maranhão, onde presos chegaram a ser decapitados por facções rivais.
Diante do avanço do número de presos a cada dia, onde iremos conter a liberdade de tantos? Podemos, sim, antever um colapso do sistema carcerário, e esse problema não pode ser computado apenas à competência do Executivo.
É necessário que se abra uma discussão que envolva todos os atores desse processo –que inicia com a prisão do acusado de um crime e vai até a sentença definitiva. Esse debate deve envolver uma alternativa penal à privação da liberdade, que permite ao pequeno infrator prestar serviços à comunidade, mantendo o vínculo familiar e social.
As decisões não podem continuar sendo tomadas dentro de espaços restritos e sem um amplo debate.
ELOISA DE SOUSA ARRUDA, 52, procuradora de Justiça, é secretária da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo
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Fonte Folha de São Paulo
Fonte Folha de São Paulo
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