sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Discussão sobre redução da maioridade penal é mais do mesmo


Como apontam alguns textos recentemente publicados na grande mídia sobre o assunto, a redução da maioridade penal é tema recorrente por ocasião de eleições. A medida é apontada como arma no combate à criminalidade e como chave para a redução da impunidade. Os dois efeitos desejados pela redução da maioridade penal são, então, a redução da criminalidade, ou seja, a redução da prática de crimes (prevenção); e a redução da impunidade, ou seja, uma maior taxa de punição para os crimes e infrações já praticados.
Para atingir tais efeitos, propõe-se a redução da maioridade penal para autores de crimes hediondos, cuja consequência prática seria que tais jovens, ao invés de serem internados em instituições específicas, seriam remetidos ao sistema carcerário. Sim, porque, para atos infracionais de tal gravidade, a medida prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente já é a internação. O que mudaria seria o endereço do cumprimento da medida restritiva da liberdade e seu tempo de duração.
Sob o ponto de vista da redução da criminalidade, a proposta parte de duas premissas: a primeira, que a internação de jovens nessas instituições é medida leve; a segunda, que a ameaça de remessa de jovens ao sistema carcerário teria por efeito que os jovens, temerosos de serem enviados às unidades prisionais, deixariam de praticar crimes hediondos. Para que a redução da maioridade penal atingisse, pois, o efeito desejado, de redução da criminalidade, seria necessário demonstrar que essas duas premissas são verdadeiras. Todavia, os dados existentes as infirmam. Não só as unidades de ressocialização de menores infratores, em sua grande maioria, padecem dos mesmos males das unidades prisionais e penitenciárias, não sendo, pois, medidas mais “leves” do que o encarceramento em unidades penitenciárias, como a ameaça de mais pena ou de pena mais grave não costuma ter o efeito desejado de demover os potenciais autores de crimes graves da prática desses crimes. Nem é preciso ir muito longe para comprovar a veracidade desta afirmação: basta pensar na própria lei dos crimes hediondos que, passados mais de 20 anos de sua promulgação, não alcançou seu desiderato de reduzir a prática de tais crimes. 
Sob o ponto de vista da redução da impunidade, a proposta sustenta que, reduzindo-se a maioridade penal, mais infrações serão punidas. Aqui a falácia é mais grave, porque, diferentemente das premissas anteriores, infirmadas pela realidade, esta premissa sequer conduz à conclusão para a qual se anuncia. Dado que a impunidade é a falta de punição por crimes ou infrações cometidos, para sua redução é preciso que uma maior quantidade de crimes ou infrações já praticadas sejam investigadas, processadas e, ao final, seus autores punidos. Descobrir a prática de crimes, investigá-los e aplicar sanções a seus autores são atividades atribuídas à polícia e ao sistema judicial. A redução da maioridade penal, evidentemente, não tem tal efeito. Com ou sem imputabilidade penal abaixo dos 18 anos, enquanto não houver melhor aparelhamento da polícia e do sistema judiciário, infrações e crimes continuarão a ser praticados, não descobertos e, consequentemente, não punidos.
Disso se pode concluir, pois, que a redução da maioridade penal não serve ao propósitos para os quais tem sido anunciada. Quais seus reais propósitos, então?
A venda de uma ilusão. Mais do mesmo, em termos enfrentamento da criminalidade no Brasil: a via barata e rápida da alteração legislativa punitiva. Também não é preciso ir longe no tempo, nem mesmo escrutinar os tristes bancos de dados sobre criminalidade e sistema carcerário no Brasil para demonstrar que se trata de ilusão: retomo o caso exemplar da Lei dos Crimes Hediondos, a qual, não só não teve como efeito a diminuição da criminalidade violenta, como, pelo contrário, concorreu para o agravamento da superpopulação carcerária no Brasil (conforme o Relatório Final de Pesquisa ILANUD, “A lei dos crimes hediondos como instrumento de política criminal”, de 2005).
 é advogada, professora da FGV Direito SP, doutora em Direito Penal pela USP e pós-doutoranda na Faculdade de Direito da Universidade Ludwig-Maximilians, de Munique
Revista Consultor Jurídico, 23 de outubro de 2014.

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