Ao todo, 14 mulheres que estavam no Centro de Regime Semiaberto Feminino de Curitiba (Craf) serão monitoradas pelos aparelhos
Enquanto um técnico lhe afixava a tornozeleira de monitoramento eletrônico, Silvana* olhava para o alto e, como quem conversa com Deus, murmurava. “Obrigado, Pai. Obrigado, Pai”. Dentro em breve, a presa que cumpria pena no regime semiaberto seguiria para a casa, em Curitiba, de onde vai terminar de cumprir sua pena. Ela será rastreada em tempo real pelo dispositivo e poderá trabalhar, desde que permaneça na área determinada pela Justiça. Outras 13 mulheres também deixaram a unidade penal, vistoriadas pelo aparelho.
“Só Deus sabe o quanto eu esperei por isso”, emocionou-se Silvana*, de 44 anos, que preferiu não revelar o crime pelo qual está pagando.
Com essas 14 presas, o Paraná inaugurou nesta quarta-feira (1.°) seu programa de rastreamento eletrônico de presos.
Condenadas por crimes considerados não graves, todas cumpriam pena no Centro de Regime Semiaberto Feminino de Curitiba (Craf) e mantinham bom comportamento. “A maioria está presa por tráfico, por alguns gramas de maconha ou umas pedras de crack. São pessoas que não são um problema carcerário, mas um problema social”, disse a secretária Maria Tereza Uille Gomes, da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju).
A expectativa das autoridades judiciárias do estado é que, já nas próximas semanas, cinco mil presos passem a ser vistoriados pelas tornozeleiras. Um dos exemplos é a Colônia Penal Agrícola, de onde cerca de 700 homens devem sair, monitorados pelo dispositivo. Os aparelhos eletrônicos devem chegar ainda ao tornozelo de internos de penitenciárias do interior do estado.
“É uma maneira de humanizarmos o cumprimento da pena dos presos não violentos que têm bom comportamento. Eles vão ser monitorados, mas sem estarem atrás das grades”, disse o vice-presidente do Conselho Penitenciário do Paraná, o advogado Dálio Zippin Filho.
Planos
No corredor, as internas que iriam para casa com as tornozeleiras faziam uma fila cheia de esperança. Comentavam, entre si, planos de uma vida melhor – e longe do “lado errado”. Fazer um curso de informática, voltar a trabalhar, frequentar a igreja, ficar com os filhos. Os pensamentos positivos, no entanto, dividiam espaço com as dúvidas em relação ao funcionamento das tornozeleiras.
Camila*, uma senhora humilde de 66 anos, perguntava se poderia tirar o dispositivo para tomar banho. Ela passou oito meses detida no regime fechado e cinco, no semiaberto. Havia sido presa por tráfico, enquanto cuidava dos filhos de um vizinho na casa dele. “Ele mentiu que trabalhava, mas tava mexendo com isso [traficando drogas]. Quando ele foi preso, a polícia foi à casa e me levou junto”, contou.
“Agora, vou poder cuidar da saúde. Minha perna dói e incha. Vai ser tranquilo, porque não sou de sair de casa”, completou a mulher, que vai morar na casa de um sobrinho, no bairro Tarumã.
*nomes fictíciosSeju espera que sistema ajude a zerar número de presos em delegacias
A Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju) garantiu que, a partir do uso das cinco mil tornozeleiras de monitoramento eletrônico, será possível zerar o número de presos provisórios detidos em celas de delegacias. Hoje, 4,8 mil pessoas estão encarcerados em unidades da Polícia Civil. “Essa população carcerária em delegacias vai acabar”, asseverou a secretária Maria Tereza Uille Gomes.
A empresa SpaceCom, que vai alugar as tornozeleiras e manter o rastreamento dos detentos, foi contratada por meio de licitação. Para cada dispositivo usado, o Paraná vai pagar R$ 241 mensais. Segundo a Seju, cada preso detido em unidade prisional custa ao estado R$ 2 mil.
Funcionamento
Os aparelhos de monitoramento fornecem a localização exata do preso, informando os dados de GPS via rede de celular. As informações são recebidas em uma central, que acompanha em tempo real o deslocamento dos usuários. Cada pessoa que usa a tornozeleira pode circular por uma área e em horários pré-determinados pela Justiça. Caso saiam fora desta zona ou não cumpram os horários, a tornozeleiras emite um alerta.
“Se a tornozeleira for retirada ou se as especificação não forem cumpridas, o preso volta para o regime fechado”, disse o juiz Moacir Dalla’Costa, da 2ª Vara de Execuções Penais.
“É muita humilhação”, diz presa que recusou tornozeleira
O monitoramento eletrônico de presos no Paraná seria inaugurado com 15 mulheres. Seria. Uma delas – uma interna de 34 anos – recusou a tornozeleira. Com isso, ela continuará cumprindo pena no Centro de Regime Semiaberto Feminino de Curitiba (Craf), onde já estava detida.
“É muita humilhação. Usar um negócio desse, sair com isso na rua não é vida. Prefira pagar tudo que eu devo lá dentro”, disse rispidamente. Há três meses, a interna cumpre pena por roubo. Foi presa depois que o marido assaltou a loja de pneus em que ela trabalhava. “Disseram que eu era cúmplice. Mas rodei só porque era mulher dele”, disse.
De acordo com as contas da detenta, ela deve “puxar cadeia” até janeiro do ano que vem.
Já Silvana* contava as horas para chegar em casa. Já vislumbrava o retorno ao antigo emprego, em uma empresa que fornece merenda escolar. Após ver a tornozeleira lacrada, chorou se lembrando dos dois filhos – de 21 e 27 anos. “Eles sofreram muito com a minha prisão, porque foi uma injustiça. Eu estou pagando por algo que não cometi”, disse.
| |
Fonte: FELIPPE ANIBAL - Gazeta do Povo |
quinta-feira, 2 de outubro de 2014
Com tornozeleiras eletrônicas, presas do PR vão cumprir pena em casa
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário