Alexandre de Moraes[1]
O STF decidirá em breve a amplitude da supervisão judicial nas investigações realizadas pelo Ministério Público, em relação à continuidade de procedimento investigatório quando constatada a atipicidade dos fatos imputados aos investigados, em face da ausência de indicação de indícios de materialidade e autoria trazidos pelas diligências solicitadas pelo próprio Parquet e apontadas como imprescindíveis para a continuidade do inquérito.
O injusto constrangimento decorrente dessa situação total impede que o Parquet mantenha o inquérito indefinidamente à espera de novas provas que possam eventualmente ser encontradas em outros procedimentos investigatórios, desmembrados do principal e envolvendo pessoas diversas, sendo necessário o término da investigação, pois a impossibilidade de arquivamento de inquérito sem proposta pelo Ministério Público, “não impede que o magistrado, se eventualmente vislumbrar ausente a tipicidade penal dos fatos investigados, reconheça caracterizada situação de injusto constrangimento, tornando-se consequentemente lícita a concessão ex officio de ordem de habeas corpus em favor daquele submetido a ilegal coação por parte do Estado (CPP, art. 654, § 2º).” (STF, HC 106.124).
O STF já possui esse entendimento, pois reconhece que, apesar da impossibilidade de arquivamento ex officio de investigações criminais em nosso ordenamento jurídico pela autoridade judicial, em virtude da titularidade exclusiva da ação penal pelo Ministério Público (CF, art. 129, I), é dever do Poder Judiciário exercer sua “atividade de supervisão judicial” (STF, Pet. 3825/MT), fazendo cessar toda e qualquer ilegal coação por parte do Estado, por meio de HC de ofício, quando o Parquet insiste em manter procedimento investigatório mesmo ausente a tipicidade penal dos fatos investigados.
Não é possível a permanência indeterminada de investigações ou inquéritos policiais ou judiciais quando as diligências realizadas demonstraram a ausência de qualquer indício de materialidade e autoria, tornando impossível ao MP o apontamento de existência de fato típico na conduta do investigado, ou qualquer indicação dos meios que o mesmo teria empregado em relação às condutas objeto de investigação, ou ainda, o malefício que produziu, os motivos que o determinaram, o lugar onde a praticou, o tempo ou, por fim, qualquer outra informação relevante que justificasse a manutenção da investigação.
A inércia do Ministério Público em concluir sua análise após o esgotamento de todas as diligências que licitamente solicitou, mantendo indeterminadamente a investigação, sem apontamento de qualquer fato típico, estará configurando o injusto constrangimento e ausência de justa causa para manutenção do inquérito, configurando, sem qualquer dúvida, grave desrespeito aos direitos fundamentais do investigado, pois como bem salientado pelo Ministro Pertence, “estamos todos cansados de ouvir que o inquérito policial é apenas um ‘ônus do cidadão’, que não constitui constrangimento ilegal algum e não inculpa ninguém (embora, depois, na fixação da pena, venhamos a dizer que o mero indiciamento constitui maus antecedentes: são todas desculpas, Sr. Presidente, de quem nunca respondeu a inquérito policial algum). Mas é demais dizer-se que não se pode sequer examinar o fato sugerido, o fato apontado, e impedir a sequência de constrangimentos de que se constitui uma investigação criminal – seja ela policial ou seja, no caso judicial – sobre alguém que, à primeira vista, se evidencia não ter praticado crime algum, independentemente de qualquer juízo ético a fazer no caso”.
Não se trata, obviamente, de afastamento ou limitação à titularidade exclusiva da ação penal pelo Ministério Público, consagrada constitucionalmente como garantia efetiva de imparcialidade do órgão acusatório, mas sim da ampla possibilidade de revisão judicial de condutas atentatórias aos direitos e garantias individuais visando a proteção ao status libertatis dos investigados, sendo lícita a concessão de habeas corpus de ofício pelo Judiciário para trancamento imediato da investigação.
[1] Alexandre de Moraes é Doutor e Livre Docente em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo, onde também é Professor Associado e foi Chefe de Departamento (2012-2014). Professor Titular da Universidade Mackenzie, Escola Paulista da Magistratura e Superior do Ministério Público de São Paulo. Foi Secretário de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania (2002-2005), membro do Conselho Nacional de Justiça (2005-2007) e Secretário Municipal de Transportes e Serviços de São Paulo (2007-2010).
Artigo publicado na 43ª edição do Jornal Estado de Direito.
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