segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Saiba como é usar tornozeleira eletrônica para monitoramento de presos

Por 24 horas, repórter de ZH testou equipamento utilizados por presos do regime semiaberto


Saiba como é usar tornozeleira eletrônica para monitoramento de presos Tadeu Vilani/Agencia RBS

ara testar as tornozeleiras eletrônicas usadas por presos do regime semiaberto, um repórter de Zero Hora, autorizado pela Justiça, utilizou o equipamento durante 24 horas. Nas oportunidades em que saiu da área estabelecida pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), agentes entraram em contato e o sistema funcionou.
*Colaborou Letícia Costa
>>>> Em vídeo, repórter conta como foi a experiência

O celular tocou às 13h26min, quando a quinta-feira ensolarada se acinzentava e o carro seguia no caminho do Parque da Redenção, em Porto Alegre. Uma voz feminina, repetitiva, mas mais séria e resoluta, avisou:
— O senhor gerou uma ocorrência na Avenida Oscar Pereira. Por favor, o senhor tem que voltar imediatamente a sua zona. Já enviamos uma mensagem às 12h32min.
Acomodado no banco traseiro do veículo, consulto a caixa de entrada do celular. Lá estava a mensagem. Minutos antes, eu havia deixado o Albergue Pio Buck com uma tornozeleira eletrônica presa à perna. Uma segunda mensagem aparecia logo depois, às 13h36min, com praticamente o mesmo texto da anterior, mas em letras maiúsculas, como se o autor estivesse aos gritos:
"CENTRAL DE MONITORAMENTO
SUSEPE INFORMA: RETORNE PARA SUA ÁREA DE INCLUSÃO". Eu estava no limiar de me tornar um foragido.
Os procedimentos eram reais, bem como pedira à Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), que me instalou o equipamento no tornozelo esquerdo. A ideia era mostrar ao leitor de Zero Hora como é usar o aparelho por 24 horas, testá-lo o mais próximo da realidade e ver a reação das pessoas nas ruas diante do dispositivo.
Não obedeci à ordem de voltar à zona onde eu poderia circular, ou seja, o trabalho no prédio de ZH, a casa no bairro Cidade Baixa e duas regiões liberadas, o Parque da Redenção e um shopping. O veículo continuou o trajeto. Nove minutos depois, a moça da Susepe ligou.
— O senhor deve retornar para a sua área.
— Está bem.
Outra vez, nada fiz. O telefonema seguinte ocorreu dois minutos depois.
— Tá bem, vou retornar ao trabalho, mas antes preciso ir a outros locais — respondi.
— Quanto tempo vai levar?
— Quanto tempo? Não sei...
— Eu preciso saber para pedir para autorizarem — insistiu a agente da Susepe.
— Autorizarem? Mas estou fazendo um teste. Como faço para me liberar? Assim não consigo trabalhar.
— O senhor vai ter que falar com o social.
— Me dá o número.
— No momento, está ocupado.
Parecia o começo de um labirinto kafkiano — poderiam simular a minha prisão? Na verdade, era tudo parte do teste. Telefonei para o coordenador do Programa de Implantação do Monitoramento Eletrônico no Estado, Cezar Eduardo Cordeiro Moreira. Combinamos que eu não receberia mais ligações e poderia continuar avançando por áreas "proibidas". A funcionária da Susepe não voltou a ligar. À noite, porém, tudo recomeçou quando tentei retirar o dispositivo.
— Estamos pedindo para o senhor comparecer urgentemente à Secretaria de Segurança — avisou um agente.
— Por quê?
— Gerou uma ocorrência de tentativa de rompimento da tornozeleira.
— Estou em casa, a tornozeleira está funcionando.
— Bem, há ocorrência e solicitamos o seu comparecimento, urgente. Se o senhor não comparecer, uma viatura irá até aí para levá-lo ao Presídio Central.
A tensão se desfez quando reforcei que fazia um teste e que não iria continuar tentando remover o equipamento.
Dispositivo foi ignorado nas ruas
De início, a tornozeleira é incômoda. Pode machucar a pele se for colocada sobre as protuberâncias ósseas do tornozelo, ainda mais se estiver apertada. Não é pesada, mas provoca desconforto ao caminhar. Leva algumas horas até se encontrar o jeito certo de acomodá-la no tornozelo.
A tornozeleira interfere psicologicamente. A impressão é de vigilância intermitente. Quando se começa a usá-la, parece que sempre há alguém olhando para quem está com o aparelho. O psicológico parece ser um fator arrebatador no controle dos apenados nesse sistema — talvez isso ajude a explicar por que as evasões são menores do que no semiaberto tradicional.
— É mais fácil de controlar do que o muro físico, que os presos pulam — diz o juiz Sidinei Brzuska, responsável pela fiscalização das casas prisionais da Região Metropolitana.
Há 28 mil presos, hoje, no Estado, e 17% estão no semiaberto, segundo o juiz. Mas esse regime produziu 22 mil fugas no Rio Grande do Sul em três anos. A média de evasões nas casas do semiaberto é de 133%, isto é, a capacidade total do estabelecimento mais 30%. E há lugares em que esse índice superou em três vezes a capacidade.
Na rua, poucos percebem o objeto, mesmo se a pessoa estiver de bermudas. No teste de ZH, circulei vestido assim por um shopping center, entrei em uma loja para provar um tênis, fui ao caixa eletrônico de um banco, caminhei pela Redenção, sentando em bancos ao lado de frequentadores, almocei em um restaurante na Avenida Venâncio Aires e parei na Rua da República, à noite, com a luz piscando no equipamento em meio ao movimento típico da Cidade Baixa. Sem chamar a atenção, a não ser de alguns olhares rápidos e sérios (ou curiosos?) que iam dos pés ao rosto.
No Centro, o povo e a polícia não tiveram nenhuma reação a minha presença enquanto a banda da Brigada Militar tocava Show das Poderosas na Esquina Democrática. Foi somente mais tarde, ao final do teste nas ruas, que alguém reparou e me chamou a atenção. Foi uma auxiliar de limpeza que mora no morro Santa Tereza e trabalha no prédio de ZH. Ela disse que está acostumada a ver pelo menos quatro conhecidos portando a tornozeleira na região onde reside.
Devolvi a tornozeleira à Susepe no início da tarde de sexta-feira. Ao longo da jornada, houve 13 infrações, entre descumprimentos, incursões em áreas não liberadas e uma tentativa de rompimento da tornozeleira. Recebi quatro telefonemas e duas mensagens.
Apenado tenta se manter na linha
Gordinho e atarracado, com as mãos sujas de óleo mas com a camiseta e o boné brancos intactos, Adelino Ribeiro da Silveira, 34 anos, mostrou o celular. A mensagem, datada de 24 de setembro, dizia: "Seu dispositivo eletrônico está com a carga baixa. Favor recarregar. AP Silvia". Isto é, agente penitenciária Silvia.
Carregar a tornozeleira que usa sob calças folgadas é mais uma das missões que o mecânico automotivo terá de cumprir até 2015, quando pode entrar na condicional. Cumpre a determinação plugado à tomada enquanto dorme. As outras obrigações são evitar ultrapassar os limites de Porto Alegre e observar os horários determinados para estar em casa e no trabalho.
Silveira é monitorado pela Susepe desde 8 de março. Ele trabalha como mecânico freelance e seguidamente atende taxistas que chegam quase todos os dias com o ar-condicionado estragado a uma oficina na Zona Norte. Conta que caiu no crime por causa das más influências. Ficou um ano no Presídio central, em Porto Alegre, e dois na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Com a progressão de pena, preferiu a tornozeleira ao albergue. Assim, pode ficar com a família — a mulher e o filho de dois anos e oito meses que tem com ela e dois rebentos de outra relação. Para se manter na linha, costuma avisar à Susepe sobre seus passos, exatamente quando excedem lugares ou horários predeterminados. Foi assim quando consertou um refrigerador em um bailão e decidiu ficar para a festa.
Silveira diz que nem lembra da tornozeleira durante o dia. Já se acostumou. Sem muitos sorrisos, costuma trabalhar e almoçar quieto. Depois do uso, limpa cada ferramenta. Há um vestígio de orgulho pelo trabalho, escondido sob o olhar desconfiado. Não faz reclamações. Vive com a família no bairro Cascata, em uma espécie de chalé confortável situado no extremo de uma vila, à beira de um morro com vista para o verde da região. Poderia ser relaxante, mas a impressão é de que o mecânico está sempre preocupado. Sempre à espera de algo.
SAIBA MAIS:
PERGUNTAS E RESPOSTAS
— O que acontece quando se sai da área permitida?
Quando isso aconteceu, agentes telefonaram e mandaram mensagens pedindo ao repórter para retornar à zona permitida.

— Se a tornozeleira for rompida, o que ocorre?
Quando o repórter tentou retirá-la, uma luz vermelha acendeu, o aparelho vibrou e agentes da Susepe entraram em contato.

— O que ocorre quando os horários estipulados não são cumpridos?
Uma luz vermelha pisca, e os agentes enviam mensagens e telefonam.

— Se depois dos contatos o usuário da tornozeleira não obedece, o que é feito?
Isso não ocorreu no teste, mas, segundo a Susepe, o apenado seria considerado foragido.

— Como pode ser retirada a tornozeleira?
Nem a Susepe tem uma chave, senha ou outras forma de retirar a tornozeleira. A tira que prende o aparelho deve ser cortada.

— Os usuários são submetidos a constrangimentos?
O repórter de ZH não foi submetido a constrangimentos.

LIBERDADE VIGIADA
— A Susepe tem 674 tornozeleiras em atividade no Estado
— Dos 839 presos que usaram o equipamento, 27 (3,21%) romperam a tornozeleira
— Em média, são colocadas 35 tornozeleiras por dia
— Desde 30 de agosto, 22 (2,62%) monitorados eletronicamente se tornaram foragidos

O QUE É INFRAÇÃO
— Violação da zona de inclusão: quando o monitorado ultrapassa áreas de circulação permitidas pelo juiz

— Bateria: quando a carga fica em nível crítico ou a cinta que mantém a tornozeleira atada é rompida

— Dispositivo rompido: os sensores de luz e ar indicam quando o preso tenta violar a caixa

— Violação da zona de exclusão: quando o monitorado está em áreas que cadastradas como proibidas

O EQUIPAMENTO
— É composto de uma cinta com um cabo de fibra de aço e fibra ótica, e uma caixa à prova d'água onde estão os dispositivos de rastreamento e comunicação.

— Há um número de identificação que fica na parte de trás da caixa e é usado pela Susepe para o cadastro do apenado do semiaberto que tem o benefício de usar o equipamento.

— Há uma bateria que dura cerca de 30 horas, um GPS, um sensor de luz e ar, dois chips de operadoras de celular, um dispositivo anti-impacto.
— Do lado de fora, uma luz comunica o status da bateria. Quando alterna entre verde e vermelho está descarregando.
— O equipamento é carregado na tomada, como um celular.

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