As regras constitucionais sobre a investigação não impedem que o Ministério Público presida o inquérito ou que faça a própria investigação, desde que essa atuação seja controlada e regulamentada. Da mesma forma, nada impede que o réu colha provas para compor sua defesa no processo criminal. O entendimento é do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, relator de um Recurso em Habeas Corpus que pede a anulação das provas colhidas em ação penal por elas terem sido colhidas diretamente pelo MP, sem participação da polícia.
O caso está na 2ª Turma, e por enquanto tem apenas o voto do relator. Depois do voto do ministro Gilmar Mendes, o ministro Ricardo Lewandowski pediu vista dos autos, interrompendo o julgamento. Em seu voto, Gilmar afirma que o artigo 129 da Constituição Federal, que trata das atribuições do MP, apesar de não falar sobre a investigação pelo órgão, não a veda. E a interpretação o Código de Processo Penal e da Lei Complementar 75/1993, que trata da organização do MP da União, permite concluir que o Ministério Público pode investigar.
“Considerando o poder-dever conferido ao Ministério Público na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127 da Constituição), afigura-me indissociável às suas funções relativa autonomia para colheita de elementos de prova como, de fato, lhe confere a legislação infraconstitucional”, escreveu o ministro em seu voto.
O grande argumento contra a condução da investigação pelo MP é o desequilíbrio entre acusação e defesa. Se o Ministério Público é o órgão responsável por oferecer a denúncia e depois por fazer a acusação durante o processo penal, não pode ser também o ente que preside o inquérito e colhe as provas. A situação, dizem criminalistas, põe o réu numa situação desfavorável, já que se vê investigado, denunciado e acusado pelo mesmo órgão.
Mas, para o ministro Gilmar Mendes, o argumento não se sustenta. Em seu voto, ele afirma que a investigação pelo MP não desequilibra o jogo, pois sempre estará sujeita ao controle judicial “simultâneo ou posterior”. Isso decorre, segundo o ministro, do fato de ser “ínsito ao sistema dialético do processo” a possibilidade da a parte colher provas para instruir a própria defesa. “Ipso facto, não poderia ser diferente com relação ao MP.”
Limites
Embora defenda o poder investigatório do Ministério Público, o ministro Gilmar Mendes impõe que devem haver formas de controle e limitação a esse poder. Para ele, a atividade de investigar “merece, por sua própria natureza, vigilância e controle”.
O ministro defende que a atividade investigatória do MP deve ser subsidiária à da polícia. O órgão só deve ser acionado nos casos em que a polícia não puder investigar, ou quando não for “recomendável” sua atuação no caso. Exemplos citados por Gilmar Mendes são apurações de lesão ao patrimônio público, de excessos cometidos por policiais (abuso de poder, tortura, corrupção etc.) ou de omissão da polícia.
Gilmar ainda sugere que uma regulamentação da investigação pelo MP deve obrigar o órgão a formalizar o ato investigativo; comunicar formalmente, assim que iniciadas as apurações, o procurador-chefe ou procurador-geral; numerar os autos de procedimentos investigatórios, para que haja controle; publicidade de todos os atos; formalização de todos os atos; assegurar a ampla defesa, entre outros.
Recurso em Habeas Corpus 97.926
Pedro Canário é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 10 de outubro de 2013
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