Há muitas citações que desacreditam o medo. A mais recente é a do general Cypher Raige (Will Smith) no filme After Earth (após a terra), lançado este ano: "O medo não é real. É um produto dos pensamentos que você cria. (...) O perigo é muito real. Mas o medo é uma escolha". Outra, anônima: "O medo é uma coisa que não existe. A prova disso é que ele desaparece quando é enfrentado". Assim, teoricamente, o medo de falar em público não é real. Na prática, porém, a realidade é outra. A maioria dos artigos sobre esse assunto começa com a declaração: "O medo número um dos americanos é o de falar em público. O segundo é a morte".
Real ou não, o fato é que o medo de falar em público exerce um efeito paralisante na carreira das pessoas. Na advocacia, por exemplo, um bacharel pode se esquivar da carreira de criminalista, porque terá de falar a um respeitável público: jurados, juiz, oponentes, audiência etc. Um advogado pode fugir de contenciosos e se encastelar no escritório. E pode dispensar promoções, porque, em sua nova posição, terá de falar para desembargadores nos tribunais de Justiça ou para ministros do STF. Ou será obrigado a fazer palestras para audiências de empresários ou até mesmo de colegas de profissão.
Há muitas opiniões sobre como vencer o medo de falar em público. Para o escritor e professor de oratória Dennis Harting, o medo de audiências é fruto de uma projeção mental para o futuro. As pessoas temem o que possa acontecer, mesmo que não venha a acontecer. Têm medo de se saírem mal, serem ridicularizados em algum ponto, no futuro. Não é fruto, portanto, do que está acontecendo no momento. Por isso, uma forma de combater o medo de falar em público é se concentrar no momento, como na preparação da fala ou da apresentação, em vez de se focar em algo que só vai acontecer no futuro, mesmo que próximo.
Uma das técnicas para vencer esse medo na "hora h", segundo o médico Daniel Hall-Flavin, da Clínica Mayo, é se focar no material que está sendo apresentado. "As pessoas só prestam atenção nas informações que estão sendo transmitidas. Dificilmente alguém na audiência percebe que você pode estar nervoso ou que cometeu algum deslize. E, se perceber, ninguém vai julgar você por isso, porque eles estão mais preocupados com as próprias dificuldades do que com as suas."
Para o consultor e escritor Michael Hyatt, o melhor remédio é se preocupar com a audiência [em vez de focar a atenção no próprio umbigo; isto é, se preocupar apenas com o próprio destino]. Ele garante que essa foi a chave que ele "virou" e acabou com sua tremedeira diante de um público. A razão é simples — e, basicamente, a mesma apresentada pelo médico da Mayo: as pessoas na audiência têm suas próprias necessidades e, por isso, elas estão ali para ouvi-lo. Ficam agradecidas pelos esclarecimentos que você lhes traz e isso é tudo.
É fácil para um advogado entender isso. Os jurados, em um julgamento, têm duas necessidades básicas: 1) eles querem tomar a decisão correta; uma decisão que depois possam justificar para sua família, amigos, colegas de trabalho e para a própria consciência; 2) Por isso, eles precisam entender os fatos, as provas, os testemunhos e os argumentos. Isso é tudo o que esperam de um advogado ou promotor e basta isso para se sentirem satisfeitos. A eles não importa o desempenho do profissional e nenhuma outra força invisível que possa criar medo de transmitir a eles o que ele sabe. Pelo menos, em tese.
Satisfação garantida
E que tal uma audiência formada por desembargadores e ministros de tribunais superiores? Eles também têm necessidades básicas, como a de tomar a melhor decisão e, portanto, de entender a demanda e todos os aspectos jurídicos ou circunstanciais que a envolvem. Nos EUA, os ministros da Suprema Corte normalmente usam a audiência inicial para que os advogados das partes "os esclareçam" sobre o caso e seus pontos jurídicos. Às vezes, o pedido dos ministros é bem específico: digam-nos porque devemos votar a favor ou contra o pedido apresentado.
Os advogados e promotores que já atuam em tribunais superiores já são tarimbados e, portanto, já sabem disso. A recomendação é, por isso, mais palatável para os profissionais que, mesmo que inconscientemente, tratam de não ser promovidos. Mas é sempre útil lembrar que é mais importante identificar o que o notável público que saber do que os advogados e promotores acham que ele deve saber. Se o profissional tiver essa percepção, a satisfação de sua audiência está garantida.
O consultor Michael Hyatt diz que, por reconhecer o interesse do público nas informações que vai dar, ele se esforça por dar três presentes: o presente do esclarecimento, o presente da coragem e o presente do comprometimento. Quando as pessoas assistem a uma palestra ou a apresentações em um tribunal do júri, geralmente estão confusas, têm algum receio de tomar uma decisão e temem se comprometer, de alguma forma. Por isso, no tribunal do júri, os advogados e promotores se esforçam para esclarecer os jurados, fazem com que se sintam seguros em tomar uma decisão e os estimulam a se comprometer com essa decisão que, certamente, é a certa.
Para o consultor Dan Shipper, "o melhor remédio contra insegurança é a experiência". Por isso, ele tem um conselho circense, pouco tragável, na verdade: "Aceite a ideia de que você tem que correr o risco de ser palhaço, algumas vezes, antes de se qualificar para ser o locutor que se dirige ao respeitável público".
Pode ser. Mas, nesse caso, é melhor correr o risco de fazer o papel de palhaço antes botar os pés em um tribunal. Quem sabe em reuniões de condomínio, em aulas que oferecem aos alunos a oportunidades de falar à classe, em palestras em organizações comunitárias ou no clube e em assembleias de todos os tipos. A verdade é que o treinamento pode ser uma parte essencial da experiência reclamada pelo consultor. Cursos de teatro e cursos de oratória podem ser bons treinamentos. Nos últimos, o esforço é mais bem recompensado quando os próprios colegas podem criticar o desempenho uns dos outros.
Praticidade
De uma maneira geral, os articulistas argumentam que tudo se resume a uma técnica: racionalizar os sentimentos. Quando se racionaliza um sentimento ruim (medo, raiva etc.), ele tende a se enfraquecer e até mesmo a se dissipar na fumaça. Mas há quem não queira se dar ao trabalho. Para eles, o experiente advogado e escritor Elliot Wilcox, editor do TrialTheater, tem recomendações bem simples:
1. Prepare-se. A falta de preparação é a causa mais comum de nervosismo no tribunal. Ao contrário, nada deixa um advogado ou promotor mais confiante e confortável do que estar bem preparado para o que der e vier durante o julgamento. O advogado tem de preparar bem a sustentação jurídica para apresentar seu caso, ter cartas na manga para o caso de uma testemunha chegar atrasada ou não aparecer, ter um plano "B" para o caso de algum equipamento não funcionar, examinar possíveis objeções da parte oponente e saber as respostas. Enfim, deve se preparar para qualquer imprevisto que possa surgir. No tribunal superior, tem de prever as perguntas de desembargadores e ministros e preparar as respostas;
2. Não fale para o júri, nem para todos os desembargadores e ministros. Fale para cada jurado de cada vez ou para cada "juiz" de cada vez. A maioria da população tem medo de falar ao público. Mas dificilmente alguém tem medo de falar a uma pessoa. Assim, fale a um jurado (ou juiz) por uns momentos, olhando em seus olhos, depois dirija-se a outro jurado (ou juiz). Sempre um de cada vez, até que comece a se sentir à vontade. Não mantenha seus olhos em um elemento da audiência por muito tempo, porque isso cria um desconforto. Faça-o apenas o suficiente para estabelecer uma conexão. Isso tem a vantagem, mesmo para os profissionais tarimbados, de tornar o relacionamento com cada membro da audiência mais pessoal;
3. Faça uma lista de pontos. É uma garantia de que nenhum argumento essencial será esquecido, por causa do nervosismo. E é o próprio fio da meada, mesmo para profissionais experientes. O consultor Dan Shipper diz que, nesse sentido, as apresentações em Power Point vêm a calhar. Uma apresentação ideal no Power Point traz, na maioria das páginas, listas de tópicos sobre os quais o apresentador discorre, além de ilustrações que podem ajudar muito. A única recomendação é que a lista tem de ser realmente curta e com letras grandes o suficiente para todos no júri enxergarem bem. Outra contraindicação é que esse recurso evita o contato visual entre o advogado e o público, o que o profissional tem de contornar.
Mais uma recomendação para tornar as coisas mais fáceis: prepare e decore uma declaração inicial e uma declaração final. A declaração inicial o ajuda a começar bem, a não engasgar logo de cara, e lhe dá o fio da meada. A declaração final o ajuda a saber onde quer chegar e lhe aponta um caminho para chegar lá.
Vale mais uma citação anônima sobre o medo: "Coragem não é ausência de medo. Coragem é agir, apesar do medo".
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 15 de outubro de 2013
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