O artigo 104 da Lei dos Direitos Autorais não tem o dom de responsabilizar automaticamente uma livraria por ter comercializado obra que é produto de plágio. A solidariedade somente pode recair sobre o vendedor se for demonstrada sua ciência quanto à fraude praticada.
O entendimento levou a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a julgarprocedente Ação Rescisória contra sentença que condenou a Livraria Cultura e outros dois réus denunciados por plágio por um autor gaúcho. Com a decisão, somente a condenação imposta à livraria paulista foi derrubada, já que não ficou provada, na Ação Indenizatória, sua culpa no episódio de plágio.
O relator da Apelação, desembargador Ney Wiedemann Neto, explicou no acórdão que o fato de a livraria ter sido considerada revel no processo não implica, necessariamente, que a demanda ajuizada será considerada procedente – como de fato aconteceu. É que a revelia não produz efeitos absolutos, mas relativos, sendo imperiosa a comprovação mínima dos fatos articulados na inicial.
No caso presente, Wiedemann entendeu que ficou caracterizada a violação do artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil. O dispositivo diz que a sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando violar literal disposição legal – no caso, o artigo 104 da Lei dos Direitos Autorais.
‘‘Cabia ao réu, diante dos efeitos relativos da revelia, comprovar os fatos constitutivos de seu direito, não deixando qualquer margem de dúvidas quanto à culpa da Livraria Cultura, e não tendo se desincumbido de demonstrá-los não há que se falar em condenação da autora ao pagamento de verba indenizatória’’, fulminou o desembargador-relator. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 24 de outubro.
O caso
O professor e escritor gaúcho Luiz Agostinho Cadore, autor do livro “Curso Prático de Português”, ajuizou Ação Ordinária contra Dalcimary Aparecida Pavani, Distribuidora Literária Comércio de Livros Ltda (LZN Editora) e Livraria Cultura S/A. Alegou que ficou surpreso ao constatar que o livro “Português – Curso Completo”, de autoria de Dalcimary, tem muitos capítulos plagiados de sua obra. Informou que o seu livro foi publicado em 1999, e o da ré em 2007. E mais: que o registro da Biblioteca Nacional (ISBN) da obra de Dalcimary é falso.
Em face do ocorrido, atribuiu à Livraria Cultura a responsabilidade pela venda de obra com ISBN falso, já que lá adquiriu exemplares do livro. Pediu, como antecipação dos efeitos da tutela, a suspensão de comercialização da obra e, no mérito, a condenação dos réus ao pagamento do valor correspondente ao número de livros vendidos, além de danos morais.
Citada, Dalcimary Pavani apresentou defesa. Afirmou que também ficou surpresa quando soube que a LZN Editora publicaria o material em forma de livro, e não de apostila, como havia tratado. Disse que os originais remetidos para a editora continham todas as referências à obra do autor, tanto em notas como na bibliografia. Tais trechos, entretanto, teriam sido suprimidos sem o seu consentimento. Intimada, a Livraria Cultura não se manifestou na fase de instrução.
Juliano da Costa Stumpf, juiz da 1ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, em sentença de 2 de junho de 2011, afirmou que as referências bibliográficas e as notas de rodapé, se existentes, não descaracterizariam o plágio. É que o estudo elaborado a pedido do autor, e não contestado, indica que não houve citação da obra, mas simples e indevida reprodução do texto, "verdadeiro plágio".
Segundo o juiz, uma vez evidenciada a utilização de partes da obra de titularidade do autor sem a devida autorização e sem a citação da fonte, resta caracterizado o ilícito. Os réus, solidariamente, têm de ser compelidos a reparar os danos, na forma da Lei 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais). ‘‘Na esteira da previsão contida nos artigos 28, 103 e 104 da citada lei, as corrés LZN Editora e Livraria Cultura Ltda são responsáveis solidárias em decorrência da edição e venda, respectivamente, de obra literária científica sem autorização do titular, com trechos copiados simplesmente do original, havendo inclusive ISBN falso’’, arrematou o juiz.
Com a ação considerada procedente, a LZN Editora e a Livraria Cultura foram condenadas a pagar, solidariamente, indenização por danos materiais no valor de R$ 207 mil, a contar a partir de maio de 2008. A indenização reflete o valor unitário da obra, R$ 69, multiplicado pelo número de publicações, 3 mil, conforme autoriza o parágrafo único do artigo 103 da Lei dos Direitos Autorais.
A ré Alcimary Aparecida Pavani foi condenada a pagar ao autor plagiado indenização poar dano moral no valor de R$ 20,7 mil, quantia adequada para ‘‘reparar o dano sem ensejar o enriquecimento sem causa’’.
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Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 29 de outubro de 2013
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