or Antonio Carlos Prado é editor-executivo da revista ISTOÉ
Com aproximadamente 200 mil presidiários e liderando o ranking da população total de presos no País (cerca de 580 mil internos), o governo de São Paulo insiste na privatização de penitenciárias propondo a criação inicial de 7,2 mil vagas no regime fechado de cumprimento de pena. Vai assim na esteira de outros Estados que já testam tal modelo, a exemplo de Minas Gerais com o Complexo Prisional de Ribeirão das Neves. E todos, por sua vez, vão no rastro de experiências internacionais, sobretudo a dos EUA que em 1983 recolocou em prática a gestão privada no presídio de Chattanooga, no Tennessee – isso após meio século de seu desuso porque ela se mostrara lucrativa somente à iniciativa privada, sem contrapartida para a sociedade. A maior empresa americana do setor, a Correction Corporation of America, em cinco anos alavancou seu valor de mercado de US$ 200 milhões para US$ 1 bilhão. A falta de retornos sociais, porém, faz com que hoje apenas 7% da população prisional americana (a maior do planeta, com 2,4 milhões de detentos) esteja em instituições privatizadas.
O que pode então parecer, à primeira vista, uma solução para o caótico sistema penitenciário brasileiro guarda armadilhas. Estudos feitos no Brasil apontam que, com a privatização, cada preso custará mensalmente em média R$ 4 mil – quantia que os governos terão de repassar às empresas. Nem no Principado de Mônaco, onde se oferece champanhe no café da manhã (não é ironia, é isso mesmo), um presidiário custa tanto. Será que o prisioneiro, aqui, já não está sendo superfaturado? Se essa é a quantia necessária para mantê-lo, então como explicar que o governo paulista tenha despendido apenas R$ 41 per capita ao longo do último ano? Por que os gestores dos cofres públicos, tão econômicos na questão prisional, tornam-se generosos quando entra em cena a iniciativa privada?
Negócio é negócio, e é natural que empresários não ingressem nessa empreitada para perder – a racionalidade do capitalismo é o lucro. O que não vale, no entanto, é o Estado usar o falso argumento de que ele gastará menos. Em 1999, o Paraná testou a privatização e desistiu: o custo chegou a aumentar 80%, sem retorno na recuperação dos institucionalizados, um dos objetivos da pena. Com a privatização, ensinam as malsucedidas experiências, o condenado corre o risco de vir a ser “o preso dos ovos de ouro”, um produto a gerar dividendos.
Nos EUA denunciou-se um esquema de lobby que forçava condenações cada vez maiores, uma vez que, quanto mais longa for a permanência do sentenciado na instituição, mais a empresa ganhará. Ligada a isso, há outra armadilha: nos contratos reza que serão as empresas (como vimos, interessadas na rentabilidade advinda de longo encarceramento) que indicarão advogados aos presidiários e responderão pelos laudos que mostram se eles podem progredir para o livramento condicional. Difícil haver, portanto, isenção e imparcialidade.
O Estado não pode abrir mão de sua função ética de cuidar das pessoas das quais restringiu a liberdade. Gastar mirrados R$ 41 como o governo paulista vem gastando é manter nas cadeias uma economia subterrânea nutrida pelo narcotráfico e organizada pelos próprios internos para sobreviverem. Mas, por outro lado, fixar gasto mensal de R$ 4 mil por presidiário em parcerias não inferiores a 27 anos pode transformar o preso numa espécie de “mercado futuro” que afronta o Estado de Direito.
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