quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Evolução da população carcerária brasileira de 1990 a 2012

LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e coeditor do portal atualidades do direito.com.br. Estou no facebook.com/blogdolfg
O Brasil é o quarto país do mundo em população carcerária. Está atrás de EUA, Rússia e China. Ou seja: prende bastante. Mas prende muito erradamente. Cadeia deveria ser para gente violenta, que oferece concreto perigo para a convivência em sociedade. Mas entre o que nós imaginamos que deveria ser e o que é há uma grande distância. Lá dentro estão, fundamentalmente, pobres, pretos, pardos, prostitutas e policiais. Mais da metade não praticou crime violento. Muitos violentos, no entanto, estão fora. O Brasil prende muita gente “reputada” perigosa (porque miserável; classe perigosa). Verdadeiros perigosos, que matam pessoas, estão livres nas ruas. Quase 40% não têm sentença definitiva. Raramente um rico é preso preventivamente. A prisão é o retrato fiel do Brasil que não deu certo, ou seja, do Brasil desigual, desajustado e discriminador.
No campo penal, por influência do ultraliberalismo norte-americano (Friedman, Hayek etc.), o Brasil se tornou um Estado policialesco e autoritário (nos movimentos sociais desde junho isso ficou muito claro; houve abuso da polícia). Mas o que tem a ver Hayek, Kessler, Friedman etc. com o encarceramento massivo, no mundo todo (praticamente)? Para aqueles que ignoram o vínculo da contrarrevolução ultraliberal anglo-americana com o encarceramento massivo cabe esclarecer o seguinte: quem colocou em marcha governamentalmente a contrarrevolução ultraliberal foram Reagan e Thatcher, em 1980. Thatcher criou o TINA (There is no alternative), lembram? Lutaram contra a justiça social e o estado de bem-estar social (surgido com força logo após a Segunda Guerra Mundial).
O ultraliberalismo jogou suas forças no âmbito econômico (criando o neoliberalismo) assim como no campo da política internacional (Supiot, El espíritu de Filadelfia, 2011, p. 31). Com isso naufragou o modelo de estado social nos EUA (e no mundo todo). O declínio do Estado caritativo (providencial, ressocializador no campo penal) tornou-se evidente. Avançou o Estado penal (surgindo aí o neopunitivismo, que prega o encarceramento massivo dos pobres).
A partir do neopunitivismo começaram a surgir os discursos punitivistas e encarceradores: movimento da lei e da ordem, tolerância zero, inocuização, three strikes,  guerra contra as drogas etc. Os cárceres se tornaram o “locus” preferencial do subproletariado, do lumpenproletariado (Wacquant, Punir os pobres, 2013, p. 85 e ss.). No Brasil, isso sempre foi assim. A reforma da assistência social, nos EUA, massacrou os pobres: primeiro as mulheres e as crianças, depois os negros. Os pobres foram enquadrados (Wacquant, cit., p. 143 e ss.).
O sonho do neoliberalismo tornou-se o fim do Welfare State e a restauração do mercado espontâneo. Desde 1980 essa contrarrevolução se expande para o mundo todo. Kessler, na França, dizia expressamente: temos que liquidar o estado de bem-estar social (ou seja, o capitalismo com justiça social) (Supiot, 2011, p. 32). Os teóricos do ultraliberalismo (Hayek, Friedman etc.) trucidaram o espírito da Declaração de Filadélfia (1944), que pregava a justiça social. Hayek lutou contra a intervenção da política na economia; pregava a ordem espontânea do mercado (o neoliberalismo). Que cometeu muitos excessos, assim como excessos foram cometidos pelo estado de bem-estar social (veja meu novo livro Por que estamos indignados?).
Como sublinha o mestre Zaffaroni, que sabe das coisas: “Estamos navegando en un mundo de tempestades, en un mundo complicado. No es gratuita la producción del “pánico moral”. Es para decir que hagamos un Estado gendarme [policialesco e autoritário] y listo. Ese es el objetivo.  Fonte: http://tiempo.elargentino.com/notas/realidad-de-criminalidad-es-que-construyen-los-medios-de-comunicacion, 21 ago. 2011. Acesso em: 06 set. 2011.
Continuamos nos perdendo na velha disputa entre a direita e a esquerda, entre o capitalismo e o comunismo, entre EUA e União Soviética (que já desapareceu). E ignoramos o principal: que o estado autoritário já foi implantado e está muito ativo. O debate polarizado está ultrapassado, porque a virtude está no meio: capitalismo com justiça social, sem autoritarismos (nesse sentido, meu novo livro cit.). Enquanto discutimos, o povo pobre está morrendo nas filas do hospital, está amassado nos ônibus lotados, está ficando mais ignorante nas escolas públicas (porque não prestigiam o professor etc.), nossa infraestrutura nunca sai do papel, 270 pessoas perdem a vida por dia no Brasil (no trânsito ou assassinato), os malandros continuam “roubando” o dinheiro público, o brasileiro continua achando que nossa Terra vai dar certo porque foi abençoada por Deus e vai por aí.
Esse modelo de estado autoritário (neoliberal) foi instaurado no Brasil em 1985, como substituto do estado ditatorial. Com amplo apoio midiático. A mídia expressiva (Globo, Folha, Estadão etc.) apoiou a ditadura e se converteu na espinha dorsal do novo modelo de estado autoritário (implantado em 1985). Fundado no populismo penal. Os presídios brasileiros são o retrato desse estado (injusto, desigual e discriminatório). Que prende quem não deve e se mostra leniente com quem deveria estar lá dentro, em razão da sua periculosidade real.
Levantamento feito pelo Instituto Avante Brasil, com dados do InfoPen, do Ministério da Justiça, apontou um crescimento de 508,8% na população carcerária brasileira no período de 1990 a 2012, registrando 548.003 presos em 2012, uma taxa de 287,31 para cada 100 mil habitantes, em uma população de 190.732.694 habitantes, de acordo com o IBGE.
Esse crescimento foi muito maior, por exemplo, que a taxa de crescimento da população nacional, que não passou de 30%. Ou seja, enquanto a população cresceu 1/3, a população carcerária mais que sextuplicou.
Muito inferior ao crescimento da população carcerária foi o crescimento no número de vagas no sistema penitenciário no mesmo período. Em 2008 existiam 296.428 vagas, número que em 2012 chegou a 310.687, um crescimento de apenas 4%, resultando em 1,8 presos por vaga.
Outra taxa que continuou em ascensão em 2012 foi o número de presos provisórios. Dos 513.713 detentos custodiados no sistema penitenciário, 195.036 eram presos provisórios, ou seja, 37,9% do total de custodiados. Houve um crescimento de 25,1% no número de presos provisórios entre 2008 e 2012. Em 2012, essa população era de 94,5% de presos do sexo masculino e 5,5% do sexo feminino. No que tange o sistema de vagas a situação é ainda pior. Esses 195 mil presos estão distribuídos em 94.540 vagas, cerca de 2 detentos para cada vaga, um déficit de mais de 100 mil vagas.

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