quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Cartas de presos de NY revelam detalhes da vida na cela solitária


As cartas manuscritas chegaram às dezenas, vindas de homens que, em linguagem cheia de erros mas dolorosa, descreveram como era enlouquecer.
"Sinto que estou começando a ter uns comportamentos de isquitzofrenia", escreveu um homem. "Ouço vozes ecoando quando tento dormir." Outro disse que sua mente "apodrece" com "pensamentos que são incomuns ou antinaturais, e você se pergunta de onde diabos eles vieram?".
Eles são detentos do sistema carcerário do Estado de Nova York, condenados por uma gama grande de crimes, incluindo tráfico de drogas e homicídio. Foram tirados da população carcerária geral e colocados em prisão solitária --ou, no jargão deles, na "caixa"--, onde viveram em celas minúsculas, do tamanho de um elevador, isolados de praticamente qualquer contato humano. Os motivos foram diversos: participação em brigas, fumar, usar drogas. Em muitos casos, porém, detentos são isolados por crimes mais graves, como apunhalar outros detentos, atacar carcereiros ou fazer tentativas de fuga.
Tendo ficado prisioneiros de sua própria imaginação por semanas, meses ou, em alguns casos, anos a fio, os homens --muitos dos quais já sofriam de doenças mentais-- colocaram sua paranoia, raiva, ansiedade e esperanças no papel, com descrições em alguns casos literárias e em outros, quase indecifráveis. Mais que qualquer outra coisa, os textos transmitem uma consciência tenebrosa de que suas identidades estavam se fragmentando --um sentimento tão desconcertante para alguns que os levou a tentar pôr fim a suas próprias vidas.
O cabedal de cartas escritas por mais de cem detentos à União de Liberdades Civis de Nova York (NYCLU), que se correspondia com os homens para reforçar suas tentativas de combater a prática da detenção solitária, traz novos insights sobre um mundo fechado e que geralmente só é visto por uma pessoa de cada vez.
As cartas podem acrescentar novos elementos no debate nacional sobre se manter detentos em isolamento extremo é ou não castigo cruel e incomum. Recentemente muitos Estados americanos vêm abandonando a prática, que foi tema de audiências federais no verão deste ano mas ainda é largamente aplicada no Estado de Nova York.
Em qualquer dia dado, quase 4.500 detentos no Estado estão em detenção segregada, cerca de metade deles em detenção solitária e metade em celas com outro detento. A informação é da NYCLU, que planejava publicar na terça-feira um relatório de 72 páginas sobre suas conclusões. Uma cópia do relatório foi entregue ao "New York Times" com antecedência.
O grupo de defesa das liberdades civis descreveu os dois tipos de encarceramento como "arbitrários, inumanos e inseguros", argumentando que as autoridades carcerárias têm poder discricionário excessivo para enviar detentos a celas segregadas por períodos longos, mesmo por infrações menores.
O relatório não pede a abolição da detenção solitária, mas recomenda que o departamento correcional estadual adote normas mais restritivas que reservem o isolamento para castigar detentos pelos delitos mais violentos e que o Estado faça um censo de suas celas para averiguar quais detentos realmente merecem estar nelas.
Um porta-voz do departamento correcional, Peter K. Cutler, limitou as declarações que deu numa entrevista na segunda-feira, porque o relatório ainda não tinha sido divulgado. "A segregação disciplinar é algo que levamos muito a sério no sistema carcerário", disse Cutler. De acordo com ele, os fatores pelos quais o departamento pauta sua ação são o comportamento do detento e a segurança das prisões. "Há um processo. Isso não é feito de modo unilateral."
"Os detentos têm direitos e nunca devem ser sujeitados a violência", falou em comunicado à imprensa Donn Rowe, presidente da Associação Benevolente de Carcereiros e Policiais do Estado de Nova York. "Mas suas queixas anônimas também devem ser recebidas com uma dose apropriada de ceticismo, e é preciso lembrar ao público que o sistema carcerário de Nova York abriga alguns dos indivíduos mais violentos e problemáticos do país."
Nas cartas, os detentos --cujos nomes reais não foram divulgados pela NYCLU porque, segundo a organização, eles poderiam ser alvos de represálias por parte das autoridades carcerárias-- aceitaram a responsabilidade pelos crimes que cometeram fora da prisão, mas questionaram se seu comportamento dentro da prisão justificava o tratamento recebido. Eles criticaram autoridades de saúde mental, enfermeiros e carcereiros que, segundo eles, ignoram suas queixas.
"Por favor, alguém me ajude", escreveu um homem que, meses depois, tentaria o suicídio. "Preciso de AJUDA!"
Os detentos começaram a cumprir suas penas entre a população carcerária geral em prisões espalhadas pelo Estado. Foram transferidos para celas segregadas depois de infringir as regras. Eles foram acusados de brigar, fumar cigarros e apresentar resultados positivos em exames de drogas, entre outros comportamentos. Um deles disse que foi autuado por "olhar inapropriadamente e perseguir", depois de olhar para o traseiro de uma carcereira quando ela se abaixou para pegar suas chaves.
A maioria dos homens acabou ficando em um dos dois presídios estaduais dedicados exclusivamente a celas de isolamento, o Upstate Correctional Facility, na cidade de Malone, perto da fronteira canadense, e a Southport Correctional Facility, em Pine City. A monotonia era a regra durante 23 horas por dia. Eles recebiam suas refeições através de fendas nas portas. Durante uma hora por dia podiam exercitar-se numa pequena jaula metálica conhecida como "o canil".
Os homens "pescavam", ou seja, passavam bilhetes, livros e revistas um para o outro, usando folhas rasgadas com tubos de pasta de dente em cima para dar peso. Mas passavam a maior parte do tempo olhando as paredes.
"A água da pia tem cor leitosa", escreveu um detento. "Não é branca, mas não é transparente. Nosso chuveiro é muito quente e continua a pingar mesmo depois de o desligarmos --pinga sem parar. Devido à umidade do chuveiro e da pia, estamos começando a notar mosquitos, também conhecidos como 'moscas-das-frutas'. As paredes são marcadas com símbolos de gangues, desenhos demoníacos, muco, fezes e ferrugem. Não somos autorizados a desinfetar nossas celas. Há pasta de dentes endurecida sobre minhas lâmpadas, paredes, cama, o teto, as portas e as aberturas para entrar ar. No meu chuveiro há vários adesivos, mofo, resíduo de sabonete e o que parecem ser gotinhas de sangue ressecado."

Tradução de Clara Allain. MOSI SECRET. DO "NEW YORK TIMES". Folha de São Paulo


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