A jurisprudência está em alta, afirmam Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini, coordenadores de Saberes Jurisprudencias 2012 – STF e STJ, recém lançado pela Saraiva. O livro reúne 56 julgamentos recentes realizados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, com comentários e análises de especialistas em cada área, que exploram inúmeros aspectos que não raras vezes escapam à atenção de estudantes ou mesmo profissionais do direto. Com 202 páginas, a obra tem uma vantagem adicional, ao expor, de forma didática, as diferentes visões dos magistrados que atuam nos dois tribunais, inclusive sob temas que aparentemente, seriam incapazes de gerar controvérsias.
Exemplo dessa situação, ocorreu no julgamento de um Habeas Corpus impetrado por um policial militar de Minas Gerais, acusado pela suposta prática de furto, no caso uma caixa de bombons, levada de um estabelecimento comercial. Na 2ª Turma do STF, o HC teve como relator original o ministro Joaquim Barbosa, que negou o pedido, por entender que a reprovabilidade da ação (o policial estava fardado e de serviço) não permitiria o reconhecimento do princípio da bagatela. Foi acompanhado, em seu voto, pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Ambos, no entanto, ficaram vencidos e a 2ª Turma, por maioria, deferiu o pedido e determinou o trancamento da ação penal contra o policial militar. Redator para o acórdão, o ministro Gilmar Mendes levou em conta o valor do bem subtraído e considerou possível a aplicação do postulado, destacando que o próprio conceito de insignificância seria, na verdade, a concretização da ideia de proporcionalidade, no caso, materializada de forma radical. Já o ministro Ayres Britto, entendeu que o modo da consumação do fato não evidenciou o propósito de desfalcar o patrimônio alheio.
"A aplicação do princípio da insignificância no âmbito militar é tema bastante controvertido na jurisprudência", afirma o jurista Luiz Flávio Gomes, no comentário ao julgamento. Ele lembra que o STJ tem entendido pela inaplicabilidade de tal princípio, em razão do papel desempenhado pelo policial na sociedade, ao contrário da decisão da 2ª Turma do STF, que estende o princípio da insignificância à esfera militar, com o argumento de que tal princípio está relacionado à tipicidade material, independentemente de quem seja o autor da conduta delitiva.
"Os dois votos favoráveis acham-se ancorados no Direito Penal do 'fato', enquanto os dois votos contrários são partidários do Direito Penal do autor, que está se tornando cada vez mais forte na era da pós-modernidade", analisa Luiz Flávio Gomes. Ele acentua que a atual tendência do Direito Penal, "lamentavelmente, se inclina para o autoritarismo e populismo", cenário que tem como característica principal o que o jurista define como "hiperpunitivismo".
Outros casos analisados no livro revelam um grau maior de complexidade, principalmente pelos desdobramentos e influência na decisão de outros tribunais, além do acirramento de posições doutrinárias. Neste conjunto de temas, destaca-se o chamado Estupro de Vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código Penal , analisado a partir de uma decisão tomada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no final do ano passado, que, ainda que de forma tácita, teria revogado o artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos.
Professor de Direito Penal e delegado de Polícia, Eduardo Luiz Santos Cabette, diz que será necessário aguardar o assentamento do tema, mas acentua que já é possível identificar uma certa tendência doutrinária e jurisprudencial contra a inaplicabilidade de aumento de pena, bem como a retroatividade benéfica para os casos de estupro ou atentado violento ao pudor com violência real contra menores de 14 anos ocorridos antes da vigência da Lei 1.205/2009. Embora se posicione contrário a esse entendimento, Cabette admite que é grande a influência que esse pensamento vem exercendo em várias outras decisões do STJ, inclusive em relação a casos já transitados, mediante nova dosimetria da pena pelas varas de execução.
Serviço:
Autores: Alice Bianchini e Luiz Flávio Gomes (coordenadores)
Editora: Saraiva
Edição: 2012Número de Páginas: 202
Preço: R$ 44,10
Robson Pereira é editor da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 22 de outubro de 2012
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