O plenário do CNJ aprovou, no último dia 9, um extenso documento, de 154 páginas, com medidas destinadas a modernizar o processo penal brasileiro. Feito por quem vive a realidade da Justiça Criminal brasileira, na esfera federal e estadual. É dizer, não se trata de algo elaborado com a visão estreita de quem conhece a Justiça a partir apenas da sua comarca, mas sim por profissionais que têm recebido reclamações, representações, reivindicações e visitado diversos pontos de nosso extenso território.
O chamado “Plano de Gestão para o funcionamento das Varas Criminais e de Execução Penal” divide-se em dois tópicos: 1) iniciativas administrativas que, por Resolução, objetivam agilizar a Justiça Criminal; 2) sugestões ao Poder Legislativo para alterações legais, via projeto de lei.
Na via administrativa ─ sempre mais fácil de adotar-se ─ busca-se a criação do Fundo Nacional de Segurança do Judiciário; a documentação de depoimentos por meio audiovisual e audiências por videoconferência e a instituição de mecanismos para controle dos prazos de prescrição nos tribunais e juízos dotados de competência criminal.
A documentação de depoimentos por meio audiovisual e audiências por videoconferência já estão suficientemente amadurecidas para serem adotadas no Brasil. Na verdade, o CNJ simplesmente regulamentou os artigos 185, parágrafo 1º, e 217 do CPP, que assim permitem. E o fez nos pontos que têm suscitado dúvidas.
Testemunhas que receiam, com toda razão, estar frente a frente com os presos, poderão ser ouvidas desta maneira. Presos de periculosidade reconhecida e pertencentes a organizações cujo poder rivaliza com o do Estado (em determinadas zonas é mais forte), idem. O “turismo carcerário”, consistente em viagens planejadas com extremo rigor (transporte aéreo, rigoroso policiamento, diárias, etc.), para ouvir testemunhas abonatórias, será coisa do passado.
Mecanismos para a contagem da prescrição são bons. Mas a pretendida efetividade é discutível. Resolução alguma pode alterar as dificuldades para as ações penais tramitarem, sujeitas a um formalismo enorme, a inúmeros recursos sucessivos (v.g. embargos de declaração), com prescrição pela pena aplicada, contagem pela metade a quem chega aos 70 anos e recursos especial (STJ) e extraordinário (STF), cuja duração média nenhuma pesquisa conseguiu nem conseguirá descobrir.
Para agilizar as comunicações de flagrante, se utilizará o sistema eletrônico. Nada mais adequado aos tempos modernos. Não faz mais sentido a autoridade policial lavrar autos de prisão e, por vezes, levar ao juiz em outro município ou, de madrugada, ao servidor de plantão. O envio por mensagem eletrônica significará comunicação imediata, economia de papel e de tempo dos policiais. Evidentemente, na Polícia Civil de alguns estados poderá haver dificuldades por falta de estrutura tecnológica. Mas nisto o tempo dará solução.
Vejamos as propostas de alteração via projeto de lei:
Quanto à fiança, pretende-se que seja aumentada a possibilidade de concessão. Atualmente só cabe fiança em crimes apenados até dois anos. Mas, na prática, ela é pouco concedida, seja porque a liberdade provisória é a via mais simples e barata, seja porque até a fixação do valor é de difícil compreensão, por falar o artigo 325, “a”, do CPP em valor de referência. Fiança é um bom caminho, pode evitar a prisão desnecessária, com o mérito de vincular o criminoso ao juízo. Mas, para ser eficiente, tem que ser alta. Para quem possa pagar, evidentemente. Alta significa algo que possa chegar a 500 salários mínimos em situações de maior gravidade.
O regime de cumprimento de penas é outra boa iniciativa. Pretende-se que seja concedida prisão domiciliar aos que concordarem com o monitoramento eletrônico. Levantam-se vozes contra, a dizer que é humilhante. Mas qual a humilhação? O uso de uma pulseira, de uma tornozeleira?
Vejamos como isso funciona. Seriam casos em que o condenado recebe o benefício da prisão em regime aberto (pena até quatro anos), ou seja, trabalha de dia e dorme em estabelecimento carcerário. Na prática, quase todos já dormem em casa por falta de local apropriado, o que significa ser a prisão domiciliar. Só que não há quem faça o controle. O Judiciário não tem servidores suficientes para esse tipo de serviço. Resultado, a total desmoralização da Justiça.
Para que isto não ocorra, propõe-se o monitoramento por aparelho adaptado ao corpo. É o preço que o condenado por sentença definitiva pagará para ter o direito de ficar na privilegiada condição de preso domiciliar. É alto o preço? Não, de forma nenhuma. Não se deve levar a sensibilidade de um condenado a um extremo que resulte na total ausência de efetividade da pena imposta. Ir ao extremo de glorificar um condenado, tão em moda recentemente, fere o princípio da razoabilidade.
Na parte da apreensão de bens, outra proposta inovadora. Abrir-se-ia a possibilidade de venda antecipada do bem apreendido, depositando-se a oferta e devolvendo-se ao acusado no caso de improcedência da ação.
Aí há um conflito entre a teoria e a prática. Teóricos, afeitos a discussões acadêmicas distantes da realidade, dirão que há ofensa ao princípio da presunção da inocência. Práticos responderão que uma visita a qualquer Fórum Criminal do Brasil revelará dezenas, centenas ou milhares de bens apreendidos, que ali ficam por anos, deterioram-se, ocupam espaço caro e representam um risco de furto. Sem falar de casos mais graves, como o de Foz do Iguaçu (PR), que tem a maior área de bens apreendidos do mundo. Com quem ficar? Com a solução prática, lógica e efetiva, ou seja, a alienação antecipada.
Em suma, esta nova iniciativa do CNJ é uma esperança de uma Justiça Criminal mais ágil. Deixemos os devaneios filosóficos, tão a gosto dos juristas brasileiros, e partamos para a busca de efetividade. Sem medo de errar. Não há outro caminho.
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