É senso comum entre advogados criminalistas que instituições penitenciárias quase nunca obedecem de prontidão ordens de soltura imediata assinadas pelo Judiciário. Não são poucas as vezes em que liminares são concedidas e o réu permanece preso por mais tempo do que o determinado pelos tribunais. Na prática, quando recebe o alvará de soltura, a instituição checa sua autenticidade com o fórum e verifica se há outras pendências jurídicas. Esse processo rotineiro leva mais tempo do que define a ordem do juiz, que é de dar imediata liberdade ao preso.
A Consultor Jurídico acompanhou um processo de soltura autorizado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso. Após o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Superior Tribunal de Justiça terem negado o pedido de Habeas Corpus, o réu, acusado de homicídio duplamente qualificado de sua amante, obteve liminar da mais alta corte do país no dia 22 de fevereiro. Quatro dias depois, numa sexta-feira (26/3), o alvará chegou ao Centro de Detenção Provisório de Pinheiros IV, em São Paulo — local onde estava mantido o acusado. De acordo com o advogado de defesa do caso, Cícero José da Silva, a entrega da ordem aconteceu por volta das 15h, mas seu cliente permaneceu preso no final de semana.
Na segunda-feira (1/3), pela manhã, a reportagem recebeu a ligação do advogado que informava a irregularidade. A ConJur entrou em contato com a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, que confirmou que o preso foi solto às 11h daquela segunda. O órgão esclareceu que os três dias em que o réu permaneceu a mais na cadeia ocorreu porque “o documento chegou à unidade no final da tarde de sexta e, durante os finais de semana, não são cumpridos os alvarás”.
Contrariando as informações da Secretaria, o advogado de defesa alega que seu cliente só foi solto às 17h e que a família dele presenciou o momento em que ele atravessou os portões da penitenciária. “Isso é constrangimento ilegal. Quem vai pagar pelos dois dias que ele ficou preso? E se ele morre em uma rebelião como fica?”, indagou Silva.
Para o advogado, essa rotina de checagem das instituições implica em crime de desobediência, conforme prevê o artigo 330 do Código Penal, que fala sobre ordem legal de um funcionário público. “Não é justo que os diretores se coloquem na posição de julgador para decidir. Se o juiz, que é um funcionário público, mandou e a ordem não foi cumprida, alguém cometeu delito, houve desobediência de funcionário público”, defende. Nesse caso, a pena é de multa e detenção de quinze dias a seis meses.
Regras da prisão
Integrante da diretoria do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho informou que, além de checar a autenticidade do alvará de soltura, as instituições respeitam outras duas regras. A primeira é que os diretores não autorizam a abertura de celas após às 18h por gerar um clima de insegurança. O outro, conforme já foi citado, é que os presos não são liberados no final de semana, já que os fóruns também não funcionam.
Integrante da diretoria do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho informou que, além de checar a autenticidade do alvará de soltura, as instituições respeitam outras duas regras. A primeira é que os diretores não autorizam a abertura de celas após às 18h por gerar um clima de insegurança. O outro, conforme já foi citado, é que os presos não são liberados no final de semana, já que os fóruns também não funcionam.
Ele revelou que já enfrentou várias situações semelhantes a de Silva. Em uma delas, seu cliente deveria ter sido solto numa quarta-feira. Porém, o dia seguinte era feriado e a sexta acabou sendo emendada com o final de semana. Seu cliente só ganhou liberdade na segunda seguinte. Ou seja, cinco dias após o alvará de soltura ter chegado a instituição. “É uma prisão absolutamente ilegal”, afirmou. Prevendo que isso poderia acontecer, Botelho pediu ao cartório para que a determinação fosse entregue por um oficial de Justiça para garantir o cumprimento imediato. “O diretor do presídio não aceitou e exigiu que a verificação do documento fosse feita. O oficial, como representante da Justiça, deu voz de prisão ao diretor. Chamamos a Polícia Militar e fizemos boletim de ocorrência contra diretor por abuso de autoridade”, contou.
Após o episódio, Botelho encaminhou um ofício ao Tribunal de Justiça de São Paulo comunicando a situação e a resposta que obteve foi a já citada questão de segurança. O advogado revela que desconhece qualquer regra legal para esse ato das instituições penitenciárias.
Em decorrência desses fatos, a diretora presidente do IDDD, Flávia Rahal, pede uma reestruturação no sistema de libertação dos detentos. “É preciso se estruturar para que esse processo seja feito de forma mais simples. Isso acontece há muitos anos. É o espírito, a maneira como encaram: com pouca preocupação em respeitar a liberdade das pessoas”, opinou.
Botelho também pede para que o Estado se atente à situação: “O Estado tem que aparelhar a polícia e os agentes de segurança para preservar a segurança de todos, como tem que aparelhar os meios para que o alvará seja cumprido. O plantão no fórum é uma alternativa”.
Silva chama a atenção para o mutirão carcerário, um dos atos do Conselho Nacional de Justiça em 2009 para retirar da cadeia pessoas presas indevidamente. “Se até o CNJ, o presidente em exercício do STF, Gilmar Mendes, pede para que os presos irregulares sejam soltos, quem são esses diretores para passarem por cima dessas ordens”, questiona. O mutirão carcerário corrigiu 30 mil erros judiciais e libertou mais de 18 mil pessoas presas ilegalmente. E ele finaliza: “Se a pessoa tem que cumprir uma pena, que cumpra até o final. Mas um minuto que passe a mais é inadmissível”.
Clique aqui e leia a decisão do ministro Cezar Peluso
Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário