Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo deste sábado (20/3).
Todas as propostas que visem aprimorar a tramitação dos processos judiciais, sem violar as garantias e direitos constitucionais, são sempre muito bem-vindas, a exemplo de grande parte das mudanças propostas para a reforma do Código de Processo Penal.
Fica a cada dia mais difícil assegurar os direitos constitucionais da presunção de inocência, da ampla defesa e do contraditório na fase de investigação e julgamento, pois vem se consolidando uma cultura de excessos e certezas no exercício da jurisdição.
Certamente o rito processual pode ser abreviado para termos resultados mais produtivos. Por exemplo, quando o magistrado se deparar com provas convincentes da inocência do réu, poderia decidir sumariamente, a qualquer tempo, sem precisar ir até o final do processo.
Um dos avanços do novo do texto do CPP nesse sentido é a criação do juiz de garantias, que participaria apenas da fase preliminar, vale dizer, da investigação, e a quem caberia o controle da legalidade dessa investigação criminal, assegurando os direitos e as garantias do investigado.
O juiz de garantias impediria a adoção de qualquer tipo de prática em desacordo com a ordem jurídico-constitucional, cabendo-lhe decidir sobre decretação da prisão preventiva, quebra de sigilo, interceptação de conversas telefônicas etc. Não será permitido pelo projeto que o juiz de garantias presida o processo judicial. Ele teria, entre suas atribuições, a de decidir sobre as medidas cautelares que dizem respeito à esfera de liberdade do acusado antes do processo.
O novo projeto amplia os mecanismos de restrição impostos ao investigado, apresentando alternativas para o juiz substituir o encarceramento, utilizando a cadeia com mais parcimônia. As medidas abrangem suspensão do exercício de função pública, veto para frequentar determinados lugares, comparecer periodicamente em juízo e monitoramento eletrônico, entre outras.
Os Estados Unidos e países europeus têm realizado reformas em suas legislações penais com o intuito de separar o juiz que investiga daquele que julga. Dessa forma, vêm assegurando a imparcialidade e a legalidade das fases de investigação e do processo penal, bem como garantindo de forma mais efetiva os direitos dos acusados.
Sem dúvida, a inovação do instituto juiz de garantias é mais condizente com a tendência do direito penal contemporâneo em todo o mundo. Com a atuação de dois juízes, teríamos visões distintas. Uma controlando judicialmente a investigação, e a outra examinando as provas para decidir sobre a vida do réu.
Ao longo dos 70 anos de vigência do CPP, essa é certamente uma das mudanças mais revolucionárias e que, por isso mesmo, encontrará mais resistência pelo seu caráter inovador, de quebra de paradigmas.
Ao longo dos 70 anos de vigência do CPP, essa é certamente uma das mudanças mais revolucionárias e que, por isso mesmo, encontrará mais resistência pelo seu caráter inovador, de quebra de paradigmas.
Se o juiz das garantias é um passo à frente no curso do processo penal, encontramos na contramão desse avanço a proposta de ampliação da intervenção do Ministério Público na fase de investigação, que cabe exclusivamente à Polícia Judiciária.
Tal premissa não tem fundamento constitucional e causaria um desequilíbrio no sistema jurídico-penal brasileiro, porque aquele que investiga tem de manter sua imparcialidade.
Haveria grande conflito, porque o Ministério Público seria guindado a investigador e acusador ao mesmo tempo, seria parte na ação penal e teria interesse direto na condenação, o que não é salutar para o Estado de Direito.
Certamente, o projeto de reforma do Código de Processo Penal tem uma longa trajetória a cumprir no Congresso Nacional, trazendo muitos outros aspectos inovadores desse importante diploma legal.
Esse processo de análise, crítica e reflexão deve ser aprofundado muito além deste texto, que aborda poucos tópicos de um projeto amplo e complexo, pela importância das modificações que introduzirá na ordem jurídica nacional. O novo projeto deixa a lição de que a realização do direito não segue um frio critério de lógica formal e da regra jurídica, mas vai além, busca os interesses maiores da justiça.
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