quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Número de mulheres que recorrem à Lei Maria da Penha cresce 32%

Dados da Organização Mundial da Saúde não deixam dúvida de que a violência de gênero ainda é um dos grandes problemas do século XXI: 70% das mulheres vítimas de assassinato foram mortas pelos seus maridos ou parceiros. No Brasil, uma mulher é agredida a cada 15 segundos, um dos índices mais altos do mundo; na cidade de São Paulo, 29% das mulheres admitem já ter sofrido agressões físicas ou sexuais, de acordo com pesquisa realizada pelo Ibope em 2008.

Criada para combater essa realidade, a Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, completou três anos na última sexta-feira (7/8), e aos poucos as vítimas de abusos tem tomado conhecimento e recorrido a esse instrumento de proteção. Um relatório apresentado pela SPM (Secretaria de Políticas Especiais para as Mulheres), revelou que houve aumento de 32,36% na procura pelo serviço no período de janeiro a junho, se comparado com o mesmo período de 2008 —em números, isso significa que foram realizados 161.774 atendimentos.

Desse total de ocorrências, 47% (76.638) referem-se à busca por informações sobre a Lei Maria da Penha, que tem por objetivo coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e prevê a prisão preventiva ou em flagrante do agressor. Ao passo que 17.231 ligações foram relatos reais de violência física, psicológica, moral, sexual, cárcere privado, tráfico de mulheres, entre outros casos particulares.

Para a mulher que deu nome à lei, a farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, é muito importante que as brasileiras tenham acesso à informação sobre a norma que lhes garante proteção. “Nas escolas, nas empresas onde trabalham, nas casas de família, as pessoas que têm conhecimento sobre a lei devem repassar”, enfatiza. (Leia íntegra da entrevista aqui).

Vítima de duas tentativas de homicídio executadas pelo próprio companheiro, Maria da Penha ficou paraplégica por conta de um tiro de espingarda que levou nas costas em uma madrugada de 1983, sem chance de se defender, aos 38 anos. A partir de então, decidiu que deveria lutar para que o agressor fosse punido pelo crime que cometera.

“Comecei a buscar justiça e a decepção com o Poder Judiciário [brasileiro] fez com que eu permanecesse durante vinte anos em prol da condenação do meu agressor”, relata Maria, que procurou o Comitê Interamericano de Direitos Humanos para denunciar o próprio país por negligência no tratamento à violência doméstica.

Em 2001, o Brasil foi condenado e o marido colombiano Marco Antônio Heredia também: a 10 anos de prisão, tendo cumprido apenas um terço da pena. Apesar do pouco tempo, Maria faz questão de dizer que “o importante é que a lei trouxe a intenção de proteger a mulher a partir desse caso”.

Entre quatro paredes

Para a deputada estadual e delegada Rose Corrêa (PSDB-SP), responsável pela implementação da primeira DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) no Brasil, o maior mérito da lei foi trazer à tona o debate sobre a violência contra a mulher. “A Lei Maria da Penha trouxe à luz o problema da violência doméstica, que ficava escondido entre quatro paredes”, afirma a deputada, que milita nessa área há 24 anos.

Com isso, continua, “as autoridades tomaram conhecimento de que o problema existia e começaram a se preocupar em criar mecanismos para coibi-lo: mostrou à mulher que apanhar não é uma coisa normal”.

Ela também ressalta a importância da conscientização das vítimas de agressão. “A mulher tem que ter a consciência de que se não denunciar, a violência nunca vai melhorar. É uma bola de neve e a tendência é só crescer”. A deputada ainda incentiva a mulher a ultrapassar a barreira de entrar em uma delegacia. “A gente sabe da própria dificuldade emocional que ela tem, fora o medo. Mas ela tem que ter essa consciência”, reitera.

Atualmente, existem apenas 365 delegacias da mulher para atender os 5.565 municípios do país. Em São Paulo, são 126. De acordo com dados do relatório da SPM, o Estado registrou o maior número de atendimentos à procura de orientações e encaminhamentos aos serviços da rede de atendimento às mulheres em situação de violência: foram 54.137 ligações para a Central 180.

Além das delegacias especializadas, as paulistanas também podem contar com a atuação da Defensoria Pública do Estado. Em quase um ano e meio de atuação em oito Centros de Referência e Casas da Mulher da Prefeitura da cidade, foram realizados mais de 1.500 atendimentos, a fim de agilizar o procedimento de ações judiciais de separação, pensão alimentícia, guarda de filhos, investigação de paternidade, reconhecimento e dissolução de união estável.

Baseado na Lei Maria da Penha, o trabalho da Defensoria também propôs à Justiça cerca de 200 medidas protetivas para garantir a integridade física e a vida de mulheres que estivessem correndo riscos.

Maria da Penha analisa que, da época em que sofreu maus-tratos para os dias de hoje, os mecanismos para ajudar as mulheres realmente evoluíram bastante. No entanto, pondera que ainda não é o suficiente, pois não alcançam todos os lugares. “De que adianta você não ter uma delegacia de mulher, não ter um centro que lhe apóie ou um movimento de mulher? Qual é a mulher que vai denunciar se não tem os equipamentos da lei para protegê-la?”, questiona.

Balanço

Apesar dos avanços, quando se leva em conta a efetividade das punições impostas pela lei, ainda não há o que se comemorar. De acordo com dados apresentados no primeiro balanço da lei, divulgado em 30 de março pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), dos 75.829 processos abertos, no período de julho a novembro de 2008, apenas 1.801 resultaram em condenações.

O balanço foi discutido durante a 3ª Jornada da Lei Maria da Penha, realizada em Brasília na mesma data. Na ocasião, no entanto, a conselheira Andréa Pachá, presidente da Comissão de Acesso à Justiça e Juizados Especiais e responsável pelo evento, afirmou que as estatísticas mostradas ainda não representam números consolidados e este foi um primeiro passo para conhecer a realidade sobre a aplicação da lei.

“Resta uma sensação de que os casos em que não há condenação com prisão não são efetivos, o que não é verdade”, explica Andréa, ao afirmar que a aplicação da Lei não se refere apenas a casos de prisão, mas também a medidas alternativas como prestação de serviços à comunidade e encaminhamento a grupos de ajuda.

Dos 150.532 processos em tramitação, 41.957 são referentes a ações penais, como no caso de agressões físicas; outras 19.803 ações dizem respeito a questões cíveis, envolvendo casos de indenização moral e/ou patrimonial. No período analisado, também foram computadas 11.175 prisões em flagrante e foram concedidas 19.400 medidas protetivas. Além disso, foram realizadas 60.975 audiências para o deferimento de medidas com caráter de urgência.

A luta continua

Na última quarta-feira (5/8), a ministra Nilcéa Freire, da SPM, se reuniu com o ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), e o advogado-geral da União, José Antônio Toffoli, a fim de definir uma data para que a ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) 19, da Lei Maria da Penha, seja colocada em pauta no Supremo —o que deve ocorrer até o fim deste mês, segundo a assessoria de imprensa da ministra.

Com o objetivo de declarar a constitucionalidade e padronizar a aplicação da lei em todo o território brasileiro, a ADC precisa do julgamento do STF para confirmar sua regulamentação, ainda que já tenha parecer favorável do MPF (Ministério Público Federal).

A intenção é acabar com certos aspectos da lei que geram interpretação dúbia, como a aplicabilidade da mesma em benefício dos homens. Em outubro do ano passado, o TJ-MT (Tribunal de Justiça de Mato Grosso) garantiu proteção, por meio da Lei Maria da Penha, a um homem que sofria com agressões da ex-companheira depois do fim do relacionamento.

Nesta última semana (4/8), um caso parecido ocorreu no Rio Grande do Sul e um homem foi beneficiado com uma medida de proteção para afastar a companheira que o ameaçava.

Ainda na luta, Maria da Penha também se mantém ativa e trabalha hoje como colaboradora de honra da Coordenadoria da Mulher da Prefeitura de Fortaleza, dá palestras em faculdades e costuma receber homenagens pelo país por tudo que realizou até agora.

Ela continua acreditando plenamente que “é papel da sociedade, dos movimentos sociais, das instituições que acreditam na lei, que estão aplicando a lei, e da imprensa também, incentivar e informar as mulheres de seus direitos. Direito de viver sem violência”.



Fonte: Daniella Dolme - Última Instância

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