Depois de 22 anos de trabalho no Baneb (Banco do Estado da Bahia) e mais cinco anos no Bradesco, que incorporou o banco estatal, o então gerente-geral de agência Antonio Ferreira dos Santos, 47, foi demitido por justa causa. No entanto, no período em que passou pelo banco privado, de 1999 e 2004, Santos diz ter sido vítima de homofobia. Na semana passada, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) acatou os argumentos da defesa do ex-gerente e condenou o Bradesco a indenizar a vítima por assédio moral, discriminação e dano material. O valor da indenização pode chegar a R$ 1,3 milhão.
Homossexual assumido, Santos diz que era chamado de "bicha" e de "veado" por seu gerente-regional, que chegava a dizer que ele deveria usar o banheiro feminino. "Ele não pegava na minha mão. Achava que minha homossexualidade 'passaria' pelo suor", disse o ex-gerente à Folha Online.
Os advogados de Santos conseguiram com que o TST aplicasse ao caso a lei 9.029, de 1995, que proíbe a dispensa do trabalho discriminatória, ou seja, por motivo de sexo, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade.
"As pessoas interpretavam a palavra sexo da lei como sendo só aspecto de gênero, como, por exemplo, privilegiar homens. Mas fizemos uma interpretação extensiva de que, na verdade, a palavra sexo se reporta como a sexualidade como um todo. A orientação sexual do trabalhador não pode servir de pretexto para que ele venha a ser demitido. Fizemos uma análise constitucional da dignidade da pessoa humana, do preceito da igualdade", afirmou o advogado Bruno Galiano, que representa Santos na ação.
De acordo com o advogado, o ex-gerente não poderia ser demitido sem justa causa porque possuía uma estabilidade, adquirida por ter sido incorporado do Baneb.
"Ele sofreu esse assédio e arranjaram uma forma de dizer que estava demitido por justa causa, quando na verdade o motivo da demissão era a homofobia", disse Galiano.
Inicialmente, na decisão em primeira instância, a Vara do Trabalho de Salvador condenou o banco a indenizar Santos em R$ 916 mil por dano moral e material. O TST reformou essa decisão e diminuiu o valor para R$ 200 mil.
Como a defesa conseguiu aplicar a lei 9.029, a legislação tem duas opções de aplicação de pena. Se constatada a discriminação, o empregador, nesse caso o banco, deve reintegrar o demitido à empresa ou pagar a ele o dobro do seus salários até quando a decisão não couber mais recurso.
Segundo o advogado de Santos, a juíza da primeira instância identificou que não havia mais clima para que o ex-gerente fosse reintegrado ao banco, por isso, ela determinou que ele receba os vencimentos em dobro, desde 2004, quando foi demitido, até quando o Bradesco não puder mais recorrer.
Como Santos recebia R$ 5.000, o valor de cada salário passaria para R$ 10 mil. "Chega a esse valor alto porque, de 2004 até 2009 dá 60 meses aproximadamente, o que daria R$ 600 mil de vencimentos, mais R$ 200 mil de indenização que dá R$ 800 mil. Com a correção aproximadamente, nós 'colocamos' R$ 1 milhão e com mais um prazo de dois anos até trânsito e julgado [fim dos recursos] do processo mais R$ 300 mil. Foi o cálculo estimado que fizemos", disse o advogado.
Galiano disse não acreditar que a Justiça mude a sentença do caso. Ele admitiu a hipótese de que o valor pode sofrer reformas, no entanto, disse acreditar que as provas são concretas.
"Existe o distanciamento geográfico e de tempo, isso aconteceu entre 1999 e 2004 lá na Bahia. Dificilmente um ministro vai reformar algo que foi definido nos fatos apurados no Estado da Bahia. Isso nos dá uma segurança de que dificilmente vai haver uma reforma no julgado, mas há a possibilidade. Todo o recurso tem possibilidade de reformar", afirmou o advogado.
Por meio da assessoria de imprensa o Bradesco disse que vai recorrer da decisão e que não comenta assuntos que ainda estão sob a esfera judicial.
Artigo 482
Santos disse que recebeu uma carta de demissão lacônica, que dizia somente que ele estava sendo desligado da empresa por infringir o artigo 482 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). O artigo lista 12 motivos para a justa causa na demissão, entre eles atos de improbidade, má conduta, condenação por crime e trabalhar embriagado.
No entanto, o ex-gerente alega que era um funcionário exemplar e que sua agência ultrapassava as metas determinadas pelo banco.
"O que me levava a estar no banco era as metas que eu cumpria. Ele [gerente regional] não tinha como me derrubar porque eu era um cumpridor de metas. Eu me superava. Quando o Bradesco dizia quero cem eu fazia 500. A única maneira de continuar na empresa era me superando", afirmou Santos.
Diferente do que informou seu advogado, ele afirma que não tinha estabilidade, mas não tinha como ser demitido por justa causa porque a agência que gerenciava ultrapassava todas as outras em metas.
"Eu cumpria com facilidade as metas, mas meus colegas me ligavam e diziam "parem de ficar produzindo porque não to conseguindo cumprir aqui' Também chegavam a dizer "Aquele veado cumpre as metas, porque não posso cumprir?'. Até nisso eu sofria. Meu colega ficava contra mim, porque ele os jogava contra mim", disse Santos.
Em 2004, quando o gerente regional assumiu temporariamente o cargo de diretor, demitiu Santos por justa causa.
"Além de ser demitido, me tiraram a possibilidade de conseguir emprego [devido à justa causa]. Eu não consegui emprego em lugar nenhum. Eu me vi com meus direitos tirados e sem a possibilidade de conseguir outro trabalho porque ninguém me dava emprego. Hoje montei corretora e sobrevivo vendendo seguro porque o mercado fechou para mim. O Bradesco ele não queria me demitir, queria me matar, porque só consegui sobreviver porque tive amigos e parentes que me bancaram", afirmou o ex-gerente.
Para provar o assédio que sofria no Bradesco, Santos conseguiu encontrar várias testemunhas que comprovaram a situação vexatória a qual era submetido. "Essa causa não é minha. As empresas têm de pensar duas vezes antes de fazer uma desgraça dessa com uma pessoa".
Fonte: CAROLINA FARIAS - Folha Online
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