quinta-feira, 21 de maio de 2009

Contra-ataque ao crime organizado

Durante as últimas três décadas, Itália e México sofreram com as ações de algumas das organizações criminosas mais violentas e com maior capacidade de corrupção do mundo. Em sua luta constante contra estes criminosos, ambas as nações aprenderam lições valiosas sobre as formas mais eficientes de combatê-os.

Dois protagonistas desta luta estiveram no Rio de Janeiro e relataram a experiência de seus países durante o seminário "Crime organizado", realizado pelo Centro de Estudos e Debates do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

O promotor italiano Fausto Zucarelli, membro da Direção Investigativa Antimáfia da Itália, resumiu as estratégias mais eficientes em seu país para combater tanto a chamada "Camorra" - organização criminosa baseada em Nápoles -, como a máfia siciliana.

O oficial mexicano Juan Carlos Silva, da divisão da Polícia Federal do México encarregada de investigar o narcotráfico, explicou de onde vem o recrudecimento da violência entre os cartéis de narcotraficantes que vem assolando o país nos últimos anos, e quais são as ações que tiveram mais resultados para conter suas ações.

O denominador comum dos dois cenários é a intensa violência desencadenada pelo crime organizado, além de sua capacidade de penetrar e corromper profundamente diferentes níveis da sociedade. O que fazer frente a uma organização que, como a máfia italiana, assassina juízes, jornalistas e detona bombas? Como combater um grupo de narcotraficantes que em sua guerra pelo controle de territórios manda cortar as cabeças de habitantes de uma região influenciada por seus rivais?

Os dois especialistas concordam que a resposta a este desafio tem duas dimensões: uma, em nível internacional, depende de uma forte cooperação entre os governos, principalmente para compartilhar informações. E outra, de nível interno, tem a ver com a implementação de medidas como a limpeza das corporações policiais e jurídicas, o endurecimento das leis para punir este tipo de delito e a formação de grupos especializados.

Perfil do "inimigo"

A primeira característica do crime organizado, segundo Zucarelli, é a organização e a coordenação entre os grupos criminosos através de fronteiras internacionais. O promotor italiano cita o caso das conexões entre os grupos de narcotraficantes colombianos, o grupo separatista basco ETA, a camorra italiana e os traficantes de armas dos Bálcans. Outro exemplo são os vínculos entre traficantes de drogas do Brasil, do México e da Colômbia com grupos criminosos nigerianos que, por sua vez, se relacionam com a máfia italiana.

Ele explica que esses grupos têm estruturas horizontais em que já não prevalece mais um único chefe, o que favorece a continuidade de suas atividades ainda que um dos líderes seja capturado. Outro ponto em comum entre essas organizações transnacionais são as pequenas células que as formam, o que lhes dá flexibilidade para se dissolver e se recompor.

De acordo con Zucarelli, para se financiar, o crime organizado utiliza todo tipo de tráfico ilegal, seja de drogas, armas, medicamentos ou seres humanos. E se vale também de outros tipo de delitos, como sequestros e homicídios para aumentar seu capital. Segundo ele, a principal forma de dinamizar os recursos é a lavagem de dinheiro, através do qual é realizado o combate a esta atividade.

A experiência italiana

Depois de uma forte arremetida judicial e policial contra a máfia italiana, graças a qual se conseguiu uma grande vitória jurídica contra a cosa nostra, os juízes Giovanni Falconi e Paolo Borsellino, símbolos da luta antimáfia, foram assassinados em 1992.

A partir desses crimes que sensibilizaram a opinião pública italiana, foram colocadas em prática algumas medidas e criadas novas determinações, entre elas, o regime conhecido como "41 bis", que impôs penas de prisão muito mais severas aos criminosos.

"Respeitando as liberdades fundamentais de todo ser humano, a lei restringiu certas liberdades dos presos. Por exemplo, em lugar de ter uma visita semanal, passaram a ter uma visita mensal e todas as suas conversas com seus familiares passaram a ser gravadas", explicou Zucarelli.

O período de socialização foi reduzido a três horas diárias e foi proibido o contato entre presos pertenecentes a organizações parceiras. Tambem aumentaram as penas para crimes como tráfico de drogas, extorsão e corrupção e foi autorizada a interceptação de comunicações e a vigilância eletrônica para rastrear as atividades ilegais.

Além disso, foram implantados programas de proteção à testemunha, foi autorizado o uso de agentes infiltrados e adotadas medidas inovadoras como a capacidade do Ministerio Público de adiar uma ordem de prisão com o objetivo de obter mais informação sobre um grupo criminoso.

"Também implementamos o que em inglês se conhece como control delivery, que é o controle sobre mercadorias através da microespionagem. Se detém uma determinada carga, se disfarça a carga e se monitora até que ela chegue ao seu destino final. Foi assim que rastreamos um carregamento de drogas através da Albânia, Trieste e Viena, onde finalmente capturamos os destinatários finais".

Finalmente, mas não menos importante, foi implementada a Direção Nacional Antimáfia, um órgão aligado ao Ministério Público da Itália integrado por 26 fiscais territoriais que tem a função de coordenar as investigações relacionadas com a máfia em todo o país. A cada semana, os dados obtidos são atualizados e analizados para estabelecer ligações entre os grupos e otimizar o uso da informação.

A experiência mexicana

De acordo com o mexicano Juan Carlos Silva, as facções de narcotraficantes no México têm estruturas comandadas por um grupo de pessoas geralmente com ligações familiares, o que faz com que, ante a eventual falta de um deles, outro assuma o lugar.

"Essas facções são compostas por células de 10 a 20 pessoas fortemente armadas - possuem lançadores de granadas, coletes à prova de balas e fuzis. Alguns têm inclusive a capacidade de derrubar aeronaves", conta Silva.

De acordo com Silva, o fortalecimento da chamada "narco-violência", que durante os últimos anos levou o México a ocupar as primeiras páginas dos jornais em todo o mundo, se deve a um processo de reacomodação dos cartéis da droga neste país.

O oficial mexicano explica que se destacam dois grandes grupos de narcotraficantes: os do Pacífico e os do Golfo. Estes grupos se distribuíram pelo território mexicano e o país passou por um período de relativa calma até que, em 2008, o chefe do grupo do Pacífico, Alfredo Beltrán Leyva, foi capturado. Em consequência, os narcotraficantes assassinaram o comandante da Polícia Judicial do México dentro da sua própia casa.

"A captura de Beltrán evidenciou uma divisão interna no grupo pois foi levantada a suspeita de que Beltrán tinha sido delatado por alguém dentro da organização. Isto gerou uma cadeia de execussões, violência e guerra interna no cartel", explicou Silva.

Para fazer frente a esta situação, Silva explica que o governo de seu país tomou várias medidas. Por um lado, fortaleceu-se o compromisso de se fazer uma limpeza nas corporações policiais através da aplicação de exames técnicos, psicológicos, biométricos, toxicológicos e médicos nos integrantes das diversas corporações.

Por outro lado, se estimulou o trabalho conjunto entre o Exército e as policías Federal, estadual e municipal. "Se atuarmos com forças combinadas, é mais difícil que seus integrantes sejam corrompidos pelo narcotráfico", conclui Silva.

Também foi implementado um programa de recompensas. Mês passado, o governo mexicano ofereceu US$ 3 milhões de dólares por informações que conduzisse à captura dos chefes dos cartéis.

Além disso, vem sendo trabalhado com os Estados Unidos uma política de rastreamento das armas provenientes deste país. Também são realizados conselhos cidadãos para aproximar a sociedade civil da policía e fazer com que os cidadãos atuem como auditores dos corpos policiais e também aumentar a credibilidade da polícia.

A união faz a força

A rapidez e a eficiência com que os criminosos articulam suas ações internacionalmente às vezes supera a capacidade dos Estados se articularem para trabalhar juntos contra o crime organizado. "Se o crime atravessa todas as fronteiras, as agências de investigação têm que fazer a mesma coisa. Os países têm que entender que na luta contra o crime organizado, a soberania nacional não é um bem absoluto, os Estados devem considerar primeiro o bem comum global e cooperar entre si", afirma Zucarelli.

Para o italiano, é imprescindível que haja sincronia da legislação internacional e, apesar de reconhecer a dificuldade de todos os países adotarem as mismas leis, chamou a atenção para o caso europeu, onde existem figuras legais comuns a todos os integrantes da União Européia.

"O crime não tem fronteiras, está em todos os lugares. Por isso, necessitamos cooperação… Temos que trabalhar para fortalecer a confiança entre os países, o que faz com que essa cooperação seja possível”, destacou, por sua vez, Juan Silva.


Comunidade Segura.

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