No III Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado em abril em Vitória (ES), uma mesa-redonda tratou especificamente dessa relação. Participaram os pesquisadores Daniel Cerqueira e Patrícia Rivero, ambos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Jailson de Souza e Silva, do Observatório das Favelas e Rodrigo Soares, da PUC-Rio, além da delegada Patricia Soledad de Queiroz, da Polícia Civil de Pernambuco.
De acordo com o economista Rodrigo Soares, duas dimensões são determinantes do crime em sociedade: as condições socioeconômicas e as políticas públicas de controle. "No Brasil, as condições socioeconômicas são muito propícias ao crime e as políticas de combate muito tímidas", afirmou o professor da PUC-Rio.
Segundo ele, a desigualdade reduz a coesão social e leva grupos com privações a desenvolverem sentimentos de revolta. Além disso, as oportunidades no mercado legal são poucas, enquanto o mercado da ilegalidade está aberto. Outro fator importante para o crescimento da criminalidade identificado em estudos, segundo ele, é a juventude da população. "Uma população muito jovem tende a ter mais violência".
Por outro lado, Soares explica que experiências mostram que políticas de combate ao crime que se baseiam no aumento do efetivo policial e mais prisões realmente têm algum efeito na redução de crimes, porque tiram os criminosos das ruas e dissuadem os criminosos potenciais. "Se o indivíduo souber que a polícia é ativa e prende mesmo, ele pode desistir. A certeza da punição evita crimes", afirma.
Para Soares, é preciso combinar mais policiamento com políticas de inclusão social que permitam o acesso a serviços públicos e ao poder do estado. "Foi assim que reduziram os homicídios em Bogotá e em São Paulo", exemplifica.
O economista Daniel Cerqueira, do Ipea, lembrou que um estudo sobre 30 anos de homicídios no Rio e em São Paulo revelou que a desigualdade é o fator mais relevante para a violência. Outra pesquisa mostrou que há mais criminalidade em municípios mais pobres e com alto número de jovens fora da escola e de adolescentes com filhos. Ele acrescentou que há um efeito de contágio da violência entre municípios vizinhos. As ações de segurança pública, por sua vez, se mostram ineficazes. "No modelo fracassado de polícia, a violência vem a reboque", observa o pesquisador.
Cidade partida
O sociólogo Jailson de Souza e Silva, coordenador do Observatório das Favelas, comentou alguns resultados do Diagnóstico Social e Esportivo de 53 Favelas Cariocas, estudo feito pela sua organização por ocasião do Pan 2007.
Foram analisadas as disparidades entre as favelas de acordo com as áreas em que se localizam e as populações mais vulneráveis à violência letal. Verificou-se haver correspondência entre os maiores déficits sociais e as maiores taxas de mortalidade por homicídio. Ou seja, a superposição de desvantagens sócioeconômicas potencializa a situação de vulnerabilidade e risco social.
O trabalho afirma que as ações preventivas são mais baratas e eficientes do que as punitivas e defende a elaboração de estudos para estimar os benefícios e custos dos programas de prevenção. O estudo mostra o quanto ainda é necessário avançar em políticas sociais para superar as acentuadas desigualdades no Rio de Janeiro e o quanto ainda se precisa investir nas comunidades pobres para que elas se aproximem dos índices médios de desenvolvimento socioeconômico do conjunto da cidade.
"É preciso romper com a lógica da cidade fragmentada para construir uma cidade mais segura. Criar encontros das diferenças com equipamentos urbanos que aproximem as pessoas. Produzir uma política integrada que sensibilize as pessoas a construírem novos relacionamentos", sugere Souza e Silva.
A socióloga Patrícia Rivero, do Ipea, também participou de uma pesquisa com o objetivo de fornecer subsídios para orientar políticas públicas no estado. O estudo "Indicadores Socioeconômicos de Proteção e Risco para a Instrumentação de Políticas Públicas em Favelas” concluiu que áreas que ficam no entorno de morros, de grande concentração de favelas e regiões pobres da cidade concentram maior número de homicídios e violências.
De acordo com o estudo, as políticas públicas não encaram a cidade como um todo e privilegiam as áreas mais abastadas, quando deveriam ser comuns a todo o município, promovendo a integração urbana. Segundo o estudo, nas áreas mais pobres, a violência policial e os confrontos diretos são frequentes. o policiamento funciona de forma distinta e ocorrem muito mais mortes de civis por policiais, os chamados "autos de resistência". "Uma das primeiras iniciativas deve ser a da humanização da ação policial nas áreas de favela, integrada a diversas outras políticas públicas", diz o estudo.
Nesse sentido, o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), que traça políticas sociais inclusivas e busca fortalecer o policiamento comunitário é visto com esperança por pesquisadores, organizações sociais e gestores que abraçaram o paradigma da prevenção.
Drogas e desperdício
Um tema que ganhou projeção na mesa foi a repressão às drogas, encarada pelos participantes como desperdício de dinheiro e fator propulsor do crime. Para a delegada Patrícia Soledade de Queiroz, de Pernambuco, se a droga fosse legalizada, poderia servir como fonte de renda para ser usada em projetos sociais.
Rodrigo Soares lembra que um mercado proibido gera uma renda excepcional que gera e sustenta o crime organizado. "Será que vale a pena essa política gigantesca contra as drogas? Quão negativos devem ser os efeitos do uso de drogas para justificar o alto custo com essa política e sua pequena eficiência?", questiona.
Jailson de Souza e Silva acrescentou que 70% dos presos estão encarcerados por tráfico de drogas, e que isso tem um grande custo social. Seu estudo afirma que os jovens presos ligados ao tráfico são desimportantes para a cadeia de distribuição de drogas, e podem ser substituídos facilmente sem que o crime seja reduzido. "É impossível adiar esse debate", disse.
Custos diretos, indiretos e intangíveis
Entre o que se gasta e o que se deixa de ganhar em consequência da violência, lá se vão mais de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, segundo estudo feito pelo Ipea e a Escola Nacional de Ciência Estatística (Ence) com base em indicadores como o custo dos sistemas de saúde, segurança pública e prisional e as perdas econômicas com vidas interrompidas.
Entre os custos diretos calculáveis estão os gastos públicos e privados com tratamentos dos efeitos da violência, como serviços de saúde, segurança, justiça criminal e o sistema carcerário, além de gastos com proteção e prevenção. Os custos indiretos incluem a perda de investimentos em bens e serviços que deixam de ser produzidos ou prestados, e as perdas econômicas com vidas interrompidas ou incapacitadas para o trabalho. Os indicadores utilizados considerados variam de uma pesquisa para outra, o que dificulta a comparação dos resultados.
No estudo do Ipea e da Ence, não foram calculados custos com o sistema de Justiça, custos motivados por dor, sofrimento e medo, perdas com o desvio de turismo e a perda de produtividade motivada por traumas e morbidade, entre outros fatores decorrentes da violência.
Apesar de não levar tais indicadores em conta, o estudo chegou ao valor de R$ 92,2 bilhões ao ano, o que equivale a 5% do PIB ou R$ 519,40 per capita. Deste total, R$ 28,7 bilhões - 1,65% do PIB - corresponderam a despesas do setor público e R$ 60,3 bilhões - 3,43% do PIB – aos custos arcados pelo setor privado.
No setor público, a maior parte - 1,45% do PIB – foi alocada no sistema de segurança (polícias e secretarias), e o restante no sistema prisional (0,15% do PIB) e no tratamento de vítimas de violência no sistema de saúde (0,06%).
No setor privado, o principal custo é a perda de capital humano, estimada em R$ 23,9 bilhões, ou 1,35% do PIB. Os pesquisadores calcularam o quanto as vítimas da violência ganhariam ao longo de suas vidas com base nas tábuas de expectativa de vida do IBGE e em projeções de rendimento em função de escolaridade, idade, gênero e localização geográfica.
Outros gastos relevantes são com segurança privada (0,8% do PIB), seguros (0,75%) e as perdas com roubos e furtos (0,53%).
Mesmo considerando indicadores diferentes, os resultados desse estudo são compatíveis aos de pesquisas realizadas por outras entidades respeitadas nos maiores municípios do país na última década.
Segundo as pesquisas, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, os custos da criminalidade variam entre 3% e 5% do PIB municipal.
Estudos sobre os custos da criminalidade ainda são raros mas são de extrema importância porque permitem orientar melhor a alocação de recursos públicos. Mas as dificuldades são grandes e vão desde a variedade de custos possíveis a serem considerados – muitos deles intangíveis - à inexistência ou precariedade dos dados.
Segundo o estudo do Ipea "Análise dos custos e consequências da violência no Brasil", nos países desenvolvidos, o custo associado à perda de capital humano por mortes prematuras costuma corresponder a um valor entre 35% e 45% do total. No Brasil este indicador fica em 25%, valor relativamente pequeno que poderia causar surpresa, tendo em vista o número alarmante de 50 mil assassinatos por ano. O índice, de acordo com a pesquisa, se explica pelo perfil da maioria das vítimas de homicídios no país: jovens pobres, com baixa escolaridade. O dado confirma que a dinâmica criminal no Brasil replica a desigualdade de renda.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) realizou um estudo (Londoño e Guerrero, 1999) que estimou em 168 bilhões de dólares - 15% do PIB da região - os custos sociais do crime na América Latina, incluindo o valor dos bens roubados.
Comunidade Segura.
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