Recentemente, iniciou-se um curso sobre a Lei Maria da Penha para lideranças femininas, sob a coordenação da União de Mulheres de São Paulo e do IBCCRIM, com o apoio da Campanha Bem Querer Mulher e a Unifem – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher. Trata-se de iniciativa de extrema importância por ser, a violência doméstica e familiar, um tema atual e frequente em todas as classes sociais e segmentos étnico-raciais. Sua prática traz graves consequências não só para as mulheres, como para suas famílias e a sociedade em geral. Assegurar a implementação desta lei, democraticamente construída e instituída, é obrigação de todas as pessoas comprometidas com o Estado Democrático de Direito.
A Lei Maria da Penha, como ficou conhecida a Lei 11.340/2006, tipifica a violência doméstica e familiar contra a mulher como um crime, devendo, portanto, ser enfrentada pelo estado e a sociedade brasileira a fim de responder de forma satisfatória à realidade de milhões de mulheres que, cotidianamente, sofrem as mais diversas formas de violência: física, psicológica, sexual, moral, patrimonial, entre outras.
Anteriormente à lei, os crimes cometidos contra as mulheres por seus maridos, companheiros, namorados ou ex, eram julgados pelos Juizados Especiais Criminais (JECrims), comparados aos delitos de trânsito e tratados como crimes de “menor potencial ofensivo”, o que banalizava a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Esta lei veio atender às reivindicações das mulheres que, desde os anos de 1980, clamam por políticas públicas que garantam a equidade de direitos entre mulheres e homens e erradiquem a violência de gênero. As conquistas no campo normativo foram paulatinamente construídas. Primeiro conquistaram-se os conselhos de direitos das mulheres e a primeira delegacia de polícia para a defesa das mulheres (1985).
Em 1988, a Constituição Federal proclamou a igualdade de direitos entre mulheres e homens. Reconheceu a violência no âmbito das relações familiares e impôs ao Estado o dever de coibir a violência doméstica.
No plano internacional, tanto a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw) como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de “Belém do Pará”), ambas ratificadas pelo Estado brasileiro, respectivamente, em 1984 e 1995, defendem os direitos humanos das mulheres e sua efetivação.
Em 2001, o Brasil foi condenado pela OEA (Organização dos Estados Americanos), no caso da Maria da Penha Maia Fernandes (daí o nome da lei) por flagrante violação dos direitos humanos. Há 19 anos passados, o ex-marido da Maria da Penha cometeu duas tentativas de homicídio contra ela, contudo, não foi devidamente punido. Maria da Penha, com o apoio de ONGs feministas e de direitos humanos, encaminhou o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
Com a publicação do Relatório nº 54, as recomendações encaminhadas ao Estado brasileiro exigiram empenho para por fim à tolerância estatal e ao tratamento discriminatório em relação à violência doméstica contra as mulheres.
A partir daí, intensificou-se o trabalho conjunto dos movimentos de mulheres com representantes da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, para criar um projeto de lei de enfrentamento da violência. Tal projeto seguiu do executivo para o Congresso Nacional, onde foi submetido a audiências públicas em diversas regiões do país, acompanhado de acalorados debates no Parlamento. Foi, finalmente, aprovado e sancionado em 06/08/2006. Desta forma, deu-se cumprimento aos preceitos legais: § 8º. do art. 226, da Constituição Federal e as Convenções (Cedaw e “Belém do Pará”).
Os números da violência doméstica, ainda que subestimados, são estarrecedores. Dados de pesquisa do Ibope apresentam resultados alarmantes: as mulheres temem mais apanhar dos maridos do que ter câncer de mama ou de útero (Jornal da Tarde, 15/04/2009). Do total de pessoas entrevistadas, 55% conhecem pelo menos um caso de violência doméstica contra a mulher, mas 56% não acreditam na proteção jurídica, o que demonstra a ineficácia das instituições democráticas de acesso à justiça quando o assunto é violência contra a mulher. Há, portanto, necessidade urgente de tornar a lei um instrumento eficiente de defesa dos direitos humanos. O curso, que ora se realiza no IBCCRIM, deve divulgar a lei, seus princípios e conteúdo, para segmentos populares, em particular as mulheres, tornando-as protagonistas e defensoras de direito. O fato de estar sediado numa instituição como o IBCCRIM, facilita os diálogos necessários e pode sensibilizar importantes setores responsáveis pela efetivação da lei.
Maria Amélia de Almeida Teles
Coordenadora do Núcleo de Pesquisa do IBCCRIM, do Projeto de Promotoras Legais Populares e da União de Mulheres de São Paulo.
TELES, Maria Amélia de Almeida. Projeto Maria, Maria: curso sobre a Lei Maria da Penha. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 17, n. 198, p. 12-13, maio 2009.
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