Afastados, eles foram reconduzidos ao trabalho por ordem do secretário-adjunto de Segurança, segundo delegado.
Uma operação do Ministério Público Estadual (MPE) pôs na cadeia ontem dois investigadores acusados de montar um esquema criminoso de escutas telefônicas para extorquir dinheiro de integrantes da cúpula da facção Primeiro Comando da Capital (PCC). Os policiais são acusados de extorsão em pelo menos três ocasiões. Em uma delas, o descumprimento do acerto de pagamento levou aos ataques contra o DP de Suzano, na Grande São Paulo, um mês antes da primeira onda de atentados promovida pelo PCC, em 2006.
No caso de maior repercussão, os policias Augusto Pena e José Roberto Araújo são acusados de ter seqüestrado, em meados de 2005, o estudante R.O. e de tê-lo mantido em cativeiro na Delegacia de Suzano, até o pagamento de resgate de R$ 300 mil. O rapaz é enteado de Marco Camacho, o Marcola, líder do PCC.
Suspeitos do crime, os investigadores foram afastados das ruas, mas acabaram reintegrados ao trabalho operacional em 11 de janeiro de 2007. Segundo depoimento ao MPE do delegado Nelson Silveira Guimarães, então integrante da cúpula da Polícia Civil, a ordem a favor dos dois suspeitos foi dada por telefone pelo secretário-adjunto de Estado da Segurança Pública, Lauro Malheiros Neto, que nega ter interferido no caso.
Ex-delegado de polícia, Malheiros Neto era advogado quando o enteado de Marcola foi seqüestrado, em 2005. O escritório de seu pai, Lauro Malheiros Filho, foi o que defendeu um dos policiais presos - Augusto Pena - em seu processo de separação. Malheiros Neto assumiu o cargo de secretário-adjunto em 1º de janeiro de 2007. Onze dias depois, Pena saiu da função burocrática em que estava em uma delegacia periférica para ser integrado à Delegacia de Estelionato do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), um órgão de elite da Polícia Civil.
Apesar de investigarem esse esquema de escutas há mais de um ano, só em março passado os promotores Marcelo Oliveira, Sílvio Loubeh e José Barbutto, do Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaerco), de Guarulhos, obtiveram as provas contra os policiais. Eles contaram com uma testemunha-chave. Trata-se de Regina Célia Lemes de Carvalho, que entregou aos promotores 200 CDs com escutas feitas por Pena em 2005 e 2006, além de documentos sobre grampos e apreensões de mercadorias. Regina é ex-mulher do policial, com quem disputa a guarda do filho de 6 anos.
"Ele extorquiu (dinheiro de) toda a cúpula do PCC", afirmou Regina ao Estado. Ela acusa ainda o parceiro de Pena, José Roberto Araújo. Com as gravações e os documentos, os promotores passaram a procurar os outros personagens dessa história. Primeiro, eles ouviram o depoimento do enteado de Marcola. Filho da advogada Ana Maria Olivatto, assassinada em 2002 durante um briga interna no PCC, R. nunca havia sido preso. "Alegaram que ele cuidava de uns chips", afirmou a ex-mulher do policial. Os tais chips seriam para os celulares usados por presos do PCC.
O enteado de Marcola afirmou aos promotores que foi levado para a delegacia de Suzano. Foi colocado em uma sala nos fundos, onde os policiais o mantiveram em cativeiro. Mandaram que telefonasse de um celular para alguém para providenciar o dinheiro. R. ligou para um homem identificado como Gaguinho.
Segundo os promotores, o celular cedido pelos investigadores era um aparelho apreendido dias antes pelos policiais. Ele pertencia à advogada Maria Odete de Moraes Haddad, que defendia Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, terceiro na hierarquia do PCC. A lista das chamadas feitas por esse aparelho prova que ele continuou sendo usado, depois de apreendido, pelos policiais de Suzano.
Em um dos CDs com grampos feitos por Pena, os promotores encontraram gravado o diálogo que R. manteve com Gaguinho. O enteado permaneceu detido sem nenhuma ordem judicial, durante dois dias. Ele só foi solto após o resgate ser pago. Uma advogada e um integrante do PCC teriam levado o dinheiro. "Vamos investigar se houve omissão do delegado", disse o promotor Loubeh.
Os promotores tomaram o depoimento da advogada Maria Odete, que confirmou a apreensão de seu celular e acusou os policiais de extorsão. O Gaerco ouviu os depoimentos de Regina Célia, que confirmou saber de um acerto realizado por Pena e de negociações telefônicas dele, presenciadas por ela, com o enteado de Marcola, no valor de R$ 300 mil.
No último dia 18, foi a vez de o delegado Guimarães depor. Ele afirmou que tomara conhecimento, quando era diretor do Departamento de Polícia da Macro São Paulo (Demacro), de que Marcola havia dito a policiais do Deic que tinha sido vítima de extorsão, cujos autores eram Pena e Araújo. Marcola teria dito que "tal fato não ia ficar barato".
A existência da afirmação feita por Marcola foi confirmada ao Estado por delegados do Deic. Eles contaram que isso ocorreu no dia 12 de maio de 2006, horas antes do começo da onda de atentados que parou o Estado. Como superior de Pena e de Araújo, o delegado determinou o afastamento dos policiais. "Por enquanto, temos provas contra os dois, mas vamos investigar o caso até o fim, não importa aonde a investigação chegará", afirmou o promotor.
Estadão
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