Mailane R. S. Rodrigues de Oliveira
Defensora Pública/SP
Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo
Ex-Procuradora do Estado
Defensora Pública do Estado de São Paulo
OLIVEIRA, Mailane R. S. Rodrigues de. Cultura prisional, bagatela e ênfase punitiva – o elevado custo social. Dispnível na internet www.ibccrim.org.br 30.04.2008.
O custo mensal, pago pelo contribuinte, para a manutenção de um preso nas penitenciárias brasileiras é equivalente ao preço do aluguel de um flat de luxo na região da Avenida Paulista, em São Paulo.
O diretor do Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN, Maurício Kuehne, afirma que a média é de R$ 1.500 mensais para manter cada um dos 336.358 presos existentes no Brasil. Já uma pesquisa realizada pelo Ministério da Educação estima em R$ 9.700,00 o valor investido, por ano, em cada aluno do ensino superior, logo, pouco mais da metade (54%) do custo anual de um presidiário no país. Tal informação se agrava quando adicionados o custo da intervenção jurisdicional (computando-se as horas de trabalho de juízes, promotores, defensores, servidores de cartórios, oficiais de justiça etc), bem como o custo da percentagem dos que se sabe vão reincidir e ocupar nova vaga (que, dada a ineficácia regenerativa do sistema, alcança a absurda cifra de mais de 80%) e, ainda, o custo do tratamento e das conseqüências de doenças contraídas pelo preso, familiares e agentes penitenciários, sobretudo doenças ligadas ao fator emocional, ocorrência muito comum em estabelecimentos superlotados e sem qualquer condição de higiene.
O sistema prisional brasileiro, caracteristicamente criminalizante e que atua no contexto de um conjunto arcaico onde subsiste uma escola para a reprodução do crime, na prática, apenas segrega, temporariamente, o condenado, pela ótica exclusiva da repressão. Sua ênfase é punir, não ressocializar. As conflitantes metas punir, prevenir e regenerar não alcançam os fins a que se propõem, e redundam num ciclo vicioso extremamente nocivo à sociedade, que acaba pagando um alto preço pela ‘tutela’ do direito de poucos. Isto porque, a seletividade do sistema penal se exerce, majoritariamente, sobre as populações menos favorecidas econômica e socialmente, bastando conferir os dados do Censo Penitenciário Nacional: 95% da clientela do sistema são de presos pobres que praticaram crimes patrimoniais, no mais das vezes sem violência e que não chegaram a se consumar. Pobres, prisionizados e com o estigma da lei penal, que lhes dificulta cada vez mais a reinserção social (na realidade a própria inserção social, pois, de fato, nunca foram socializados), os ex-presos ou egressos dificilmente fugirão de comportamentos considerados ilícitos como estratégia de sobrevivência, engrossando o círculo perverso da reincidência criminal que já atinge a cifra média de 85% no país. Assim, além de ineficiente, o sistema penitenciário brasileiro é caro, muito caro. Onera o contribuinte, sem nenhum retorno positivo.
Contudo, o mais inconcebível num Estado Democrático de Direito ainda está por ser relatado. Nós, contribuintes, estamos pagando um elevado preço para que o direito patrimonial da elite econômica, sequer ofendido na grande maioria das vezes, seja ‘tutelado’ até as últimas e mais graves conseqüências sociais.
Tal ocorre com os chamados fatos de bagatela, como as tentativas de pequenos furtos em supermercados, farmácias e lojas de departamentos, que rotineiramente têm sido levados ao Poder Judiciário, redundando em prisões, ainda que não tenham, concretamente, ofendido ou colocado em risco o patrimônio alheio, gerando um elevado custo financeiro ao Estado (leia-se contribuintes) e à sociedade como um todo, que privilegia a tutela do direito patrimonial (concretamente não ameaçado) às tutelas do direito natural e fundamental de liberdade e de dignidade da pessoa humana, em inequívoca desproporcionalidade.
O princípio da insignficância, embora não expresso formalmente no nosso ordenamento jurídico, encontra-se implícito no rol dos princípios constitucionais, que se coaduna com sistema jurídico penal moderno e conforme aos desideratos de um Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, destaca-se a dignidade da pessoa como valor supremo, sendo os direitos e liberdades fundamentais do indivíduo protegidos em face do poder punitivo do Estado. Portanto, a intervenção em âmbito criminal deve ser mínima, ou seja, somente os fatos significativos devem ser penalmente reprimidos. Pode-se concluir, pois, que o princípio da insignificância, embora não explícito formalmente em nenhuma lei, encontra-se consagrado em nosso ordenamento jurídico.
Com efeito, o legislador, ao estabelecer os tipos penais, visa apenas tutelar os prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem jurídica e social. Todavia, não dispõe de meios para evitar que também sejam alcançados os casos leves. Nesse diapasão, destaca-se o princípio da insignificância com o intuito de justamente evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal. Destarte, algumas condutas, que em razão de causarem danos socialmente irrelevantes, devem ser consideradas atípicas. Embora, o fato se amolde formalmente ao tipo penal, deve, o intérprete, considerar a conduta materialmente atípica. A bagatela está diretamente relacionada à atipicidade penal. Decorre daí o princípio da bagatela ou da insignificância, que pode ser conceituado como sendo aquele que permite afastar a tipicidade de fatos causadores de danos de pouca ou nenhuma importância. Dessa forma, não merecem a atenção do Direito Penal. Em outras palavras, o princípio da insignificância pertine aos fatos de bagatela, permitindo sua consideração pela jurisdição penal como fatos atípicos, posto que destituídos de qualquer valoração a merecer tutela penal e, portanto, irrelevantes. São ações aparentemente típicas, mas de tal modo inexpressivas e insignificantes que não merecem a reprovabilidade penal, tal como se apresentam as tentativas de furtos de doces, biscoitos, xampus, cremes, roupas etc., nas grandes redes de supermercados, farmácias e lojas de departamentos.
O baixo valor, a inexistência de ofensa ou ameaça ao bem jurídico patrimônio e a ausência de repercussão da infração não justificam a instauração do processo penal, estigmatizante para o processado, caro para o Estado e para sociedade, salientando-se que ao se debruçar sobre um caso de pequeno furto, deixa o juiz de atender crimes muito mais graves, como estupro, seqüestro, tráfico, corrupção etc. (trata-se de uma perda de material humano muito grande) e considerando-se que o custo social é muito maior do que a punição que a segregado vai receber.
O contribuinte se torna, uma vez mais, a vítima que financia um falido sistema carcerário e sua caríssima manutenção (estima-se que o custeio anual de uma penitenciária de médio porte leve dos cofres públicos aproximadamente a cifra de 15 milhões de dólares), que, além de não atingir os objetivos a que se propõe, só favorece o constante aumento da criminalidade, satisfazendo os interesses financeiros de pequena parcela da população pertencente à elite econômica.
Frise-se que não se pretende, com estas afirmações, preconizar a impunidade, mas apenas deixar para a seara criminal aquilo que realmente lhe compete por atingir bens jurídicos valiosos à sociedade como um todo (e não apenas para poucos), bem como questionar a cultura prisional e a ênfase punitiva, trazendo à reflexão a necessidade da maior adoção às chamadas penas alternativas, cujo caráter educativo, sob qualquer ótica, prevalece ao estigmatizante encarceramento, ainda que se trate de autores reincidentes.
Não se pode, ao mesmo tempo, segregar pessoas e obter sua reeducação, numa lógica absurda de confinar para reintegrar. Muito mais que o ideal de “ressocialização”, que pressupõe a ideologia do tratamento, deve ser buscada a reintegração social (ou quem sabe de integração?), pressupondo-se um processo de comunicação entre a prisão e a sociedade, objetivando uma identificação entre os valores da comunidade livre com a prisão e vice-versa. Neste sentido e visando alcançar uma eficaz integração social daquele que foi condenado a uma sanção penal, torna-se imprescindível uma maior aproximação e conseqüente envolvimento da comunidade na busca da solução de seus conflitos sociais. E a participação da sociedade civil organizada, rompendo as grades das ilegalidades cometidas atrás dos muros da prisão, sem dúvida traria maior transparência e responsabilidade àqueles que detêm o poder de “custodiar” o próprio homem.
Fonte: Sociedade Internacional de Criminologia e Departamento Penitenciário Nacional
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