Em artigo publicado neste periódico em 20 de fevereiro, com o título “Descriminalizar porte de drogas para reduzir população penitenciária é ineficaz”, o procurador de Justiça Mário Sérgio Sobrinho, do Ministério Público de São Paulo, sustentou a ineficácia da descriminalização do porte de drogas para uso próprio como forma de reduzir a superpopulação carcerária.
O artigo discorre sobre o fato de o crime de porte de drogas para uso próprio, previsto no artigo 28 da Lei 11.343/06, felizmente não prever pena de prisão para tal delito, o que é confirmado pelos dados do INFOPEN de que não há um único cidadão nos presídios brasileiros preso pela prática do crime de porte de drogas, e conclui: se não há presos em presídios pela prática do crime de porte de drogas, descriminalizá-lo é ineficaz para reduzir o encarceramento.
Não é isso, evidentemente, que se quer dizer quando se sustenta a descriminalização do crime de porte de drogas como caminho para reduzir a população carcerária. No mesmo dia em que publicado o mencionado artigo, o STJ noticiou que a “Sexta Turma livrou um usuário que portava droga e foi condenado a sete anos de reclusão”.
No caso julgado sob a relatoria do ministro Rogério Schietti Cruz, ainda sem acórdão publicado, um cidadão, flagrado com 0,7 grama — não está escrito errado, é menos de um grama — de crack, foi acusado de tráfico, a conduta foi desclassificada na sentença de 1ª Instância para porte, mas o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu, segundo a notícia, que “o fato de o réu trazer a droga consigo já era suficiente para caracterizar o delito de tráfico”, condenando-o a sete anos de reclusão no regime inicial fechado.
Para o ministro Schietti, “as estatísticas mostram que a mudança de tratamento promovida pela Lei 11.343/2006 — que aboliu a pena privativa de liberdade para a conduta de porte de drogas para consumo pessoal (artigo 28) — não impediu um incremento substancial das condenações por crime de tráfico de drogas.”, e isso porque, também segundo o ministro, “a Lei 11.343 não determina parâmetros seguros de diferenciação entre as figuras do usuário e a do pequeno, médio ou grande traficante, questão essa, aliás, que já era problemática na lei anterior (6.368/1976)”.
E concluiu o ministro: “a prática nos tem evidenciado que a concepção expansiva da figura de quem é traficante acaba levando à inclusão, nesse conceito, de cessões altruístas, de consumo compartilhado, de aquisição de drogas em conjunto para consumo próprio e, por vezes, até de administração de substâncias entorpecentes para fins medicinais.”
Outra prova desse problema se extrai do relatório Panorama das apreensões de drogas no Rio de Janeiro 2010-2016, publicado pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, revelando que 50% das ocorrências policiais envolvendo drogas é de usuários com 10 a 15 gramas de maconha, o que, em outros países como Portugal, por exemplo, não seria crime.
Assim, se não a desejada descriminalização do porte de drogas para uso próprio, a determinação de parâmetros legais seguros para a diferenciação entre o usuário e o traficante, com todos os problemas que tal definição pode gerar, como, por exemplo, dizerem que os traficantes passariam a traficar apenas pequenas quantidades, para não incorrer em crime, é sim eficaz para impedir que usuários sejam presos e fiquem à disposição das facções criminosas nos presídios, de onde saem integrados à organizações criminosas e, aí sim, traficando.
Renato Marques Martins é advogado do Toron, Torihara e Szafir Advogados. Mestrando em Direito penal na USP.
Revista Consultor Jurídico, 5 de março de 2017.
Nenhum comentário:
Postar um comentário