Basta um crime de repercussão midiática cometido por um adolescente que torne a ser discutida uma nefasta mudança na imputabilidade penal, reduzindo a chamada maioridade penal de dezoito para dezesseis anos. Defensores acalorados, normalmente com argumentos rasteiros e/ou truculentos (“é por que não aconteceu com você ou com a sua família”, “se pode eleger presidente pode responder criminalmente” “adote um...” etc.), se arvoram por redes de televisão, revistas, sites etc., como se a solução para fatos tão lamentáveis estivesse em uma alteração etária. Infelizmente, parece que irá a votação, arbitrariamente, mesmo diante do parecer contrário da comissão de constituição e justiça do senado.
Todo o debate acerca do tema, como observado pela citada comissão, já deveria ser de antemão descartado uma vez que se trata de conteúdo constitucional tido como cláusula pétrea, ou seja, inatingível por mudanças pela via de emendas constitucionais, sendo necessária a convocação de nova assembleia constituinte e promulgação de todo um novo texto de Constituição, o que não se demonstra cabível na atual conjuntura, sobretudo levando-se em conta este tema. Em vez de buscar a diminuição da desigualdade social e melhores políticas públicas para adolescentes, essas sim causas efetivas e comprovadas do aumento da violência, busca-se uma atuação por omissão.
Dispensa-se também uma tentativa de deturpação do conceito de democracia como se esta correspondesse a qualquer produto da vontade de uma maioria, calcada em suposta pesquisa de opinião na qual grande porcentagem da população seria favorável à diminuição. A imposição da vontade de uma maioria se limita exatamente quando se confronta com os ditames do próprio regime democrático, em que se garante o estado democrático de direito bem como o cumprimento dos preceitos constitucionais. Uma maioria, seja ela qual for, não pode derrubar os pilares da democracia, sob pena de inominável contrassenso. Ademais, vigoram ainda os princípios de proteção especial à criança e ao adolescente e da proibição do retrocesso social. De outro lado, façam essa mesma pesquisa entre penalistas ou psicólogos, verdadeiros entendidos do assunto, e certamente o resultado se inverterá.
É prática comum aqui em Brasis tentar se resolver o problema na ponta em vez de buscar a solução em suas bases, o que tornariam os resultados muito mais promissores, mas que levam mais tempo e exigem mais dos executores. Juntem-se a isso as emoções das quais se valem os políticos para criação de leis sob afogadilho, descoladas do real e efetivo contexto social, quase sempre com preponderância de interesses da classe dominante e sua insistente tentativa de “limpeza” social e de criminalização da pobreza. Partir da exceção para se chegar à regra é uma das piores formas legisferantes possíveis.
É falaciosa a ideia de que há impunidade para adolescentes no Brasil e que a culpa pelos crimes cometidos vem daí. Há inúmeras unidades de internação no país, superlotadas e sem qualquer sopro de possível reinserção social dos infratores, o que se mostraria, numa política séria de ressocialização, imperioso. Aliás, tudo já nos mesmos moldes do sistema penitenciário para maiores de idade. Querem antecipar a transformação de indivíduos em verdadeiros dejetos sociais. “Quanto antes nos livrarmos deles melhor...”. Lamentável.
E também é muito exagerada a noção de que todo adolescente é um criminoso em potencial, devendo receber um tratamento como se fosse um adulto. Hoje querem que diminua para dezesseis, mas e se daqui a algum tempo um de doze ou dez cometer um crime grave? Até onde vai essa sanha repressora, desproporcional e míope?
Está mais que claro, tanto aqui quanto em qualquer lugar do mundo, que o rigor ou a extensão das punições não inibem o crime. Nem para adultos nem para adolescentes. Nem aqui nem e lugar algum. Mais uma vez é preciso insistir que as medidas têm de ser implementadas na origem e não no fim do ciclo. Há de se propor, aí sim visando a resultados substanciais, uma revisão das prioridades, mormente nos tempos atuais em que se redesenha o direito penal. Mas poucos parecem querer remar para esse lado.
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