Se o laudo pericial atesta que a arma de brinquedo apreendida pode ser confundida com arma de fogo verdadeira, fica afastada a insignificância penal, tendo em vista os riscos que oferece à segurança e à incolumidade públicas. Logo, não se pode falar atipicidade da conduta ou ‘‘crime de bagatela’’.
O argumento levou a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a aceitar denúncia criminal oferecida pelo Ministério Público Federal contra um homem que tentou internalizar ‘‘simulacro de arma de fogo’’ no país, via Foz do Iguaçu (PR). O juízo de origem derrubou a denúncia por entender que a lesividade à segurança pública não era relevante, já que num precedente da jurisprudência semelhante artefato não se prestou nem para aumentar a pena de roubo.
O relator da Apelação, juiz convocado José Paulo Baltazar Junior, disse que a conclusão do laudo vai de encontro ao entendimento acalentado pelas Turmas de Direito Penal da corte, pois tal artefato é capaz de enganar uma pessoa comum, levando-a a acreditar que se trata de arma verdadeira.
‘‘Portanto, afastada a aplicação do princípio da insignificância e presentes indícios suficientes de autoria e materialidade, conforme referidos na denúncia, é de se receber a inicial acusatória’’, escreveu no acórdão, lavrado na sessão do dia 28 de janeiro.
A denúncia
O fato que ensejou a Representação Criminal por parte do Ministério Público Federal ocorreu na manhã do dia 11 de julho de 2013, na Ponte Internacional da Amizade, em Foz do Iguaçu (PR), fronteira com o Paraguai. Um homem foi flagrado por agentes da Polícia Federal, tentando entrar em território brasileiro com uma arma de brinquedo idêntica à de verdade.
O laudo da perícia atestou que o brinquedo examinado é semelhante a uma arma de fogo e poderia ser confundido com armas reais, especialmente com o modelo P8, da marca alemã HK.
No entender do MPF, o denunciado, de forma dolosa, tentou importar simulacro de arma de fogo, o que é vedado pelo artigo 26 da Lei de Armas (10.826/03). Assim, incidiu na conduta prevista no artigo 334, caput, combinado com o artigo 14, inciso II — ambos do Código Penal, ou seja: tentativa de contrabando.
Sentença
A juíza substituta Raquel Kunzler Batista, da 4ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, lembrou que os tribunais vêm emprestando o mesmo tratamento para a aplicação do princípio da insignificância aos casos de descaminho e contrabando. Ou seja, o que conta é apenas o patamar objetivo de R$ 20 mil de tributos evadidos, não interessando se o ingresso da mercadoria no país é proibido (contrabando) ou permitido (descaminho).
No caso concreto, deduziu a juíza, como os autos mostram que o valor do tributo não-recolhido não ultrapassa este patamar, a hipótese de contrabando reclama a aplicação do princípio da insignificância.
‘‘Independentemente do valor do tributo iludido, a tutela penal é norteada pelo princípio da intervenção mínima. Só os bens considerados mais importantes para a sociedade podem ser objeto de sua tutela. O legislador faz a seleção dos bens que reputa de maior relevância quando da elaboração dos tipos penais incriminadores. No entanto, não desce a minúcias, cabendo ao intérprete delimitar, em cada caso, a amplitude da lesão’’, escreveu na sentença.
Como base de seu entendimento, a julgadora citou precedente da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, da lavra do ministro Og Fernandes, em Habeas Corpus julgado em junho de 2012. Para o ministro, ‘‘a utilização de arma de brinquedo para intimidar a vítima do delito de roubo não autoriza o reconhecimento da causa de especial aumento de pena do inciso I do § 2º do artigo 157 do CP, cuja caracterização está vinculada ao potencial lesivo do instrumento’’.
Finalizando, a magistrada afirmou que o mesmo raciocínio deve ser aplicado à importação de armas de brinquedo. É que se não há potencial lesivo para majorar a pena do roubo, não poderia se cogitar de relevante lesividade à segurança pública, ‘‘ainda mais quando em pequena quantidade, visto que diminuto o dano ao bem jurídico protegido’’.
Assim, atípica a conduta, a denuncia oferecida pelo MPF havia sido rejeitada com base no artigo 395, inciso II, do Código de Processo Penal — falta de pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal. Com a decisão do TRF-4, no entanto, o processo deverá seguir adiante.
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Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 15 de março de 2014
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