A ressocialização de presos não passa de filosofia, pois esbarra no livre arbítrio dos próprios condenados, uma vez que eles gostam de ser criminosos, preferindo a atividade ilícita ao trabalho honesto que pague pouco. É preciso, também, “acabar com o fetichismo da pena mínima”, especialmente se o réu já foi condenado anteriormente, respeitando-se tanto a necessidade de proteção da sociedade como a vontade da sociedade de punições mais rigorosas. Os argumentos foram utilizados pelo juiz Ítalo Morelle, da 11ª Vara Criminal da Barra Funda, ao analisar a situação de um homem que era julgado por roubo com agravante de uso de arma.
O condenado estava foragido da prisão e foi preso após render um manobrista e roubar um veículo. Após assumir a direção do carro, ele obrigou o manobrista a passar para o banco do carona, mas o refém conseguiu abrir a porta do veículo e saltar. O homem foi, então, perseguido por policiais, ignorou as ordens para se entregar e a fuga só terminou após o carro se chocar contra outros cinco veículos. Após ser preso, ele foi reconhecido pelo manobrista como sendo o responsável pelo crime, afirmou o juiz em sua sentença, marcada pelo uso de termos técnicos.
De acordo com Morelle, não há como acolher a alegação de que o réu foi obrigado por três bandidos de outra cidade a roubar o carro, com o envolvimento do manobrista, ou o suposto desconhecimento sobre o local em que deveria se render e entregar o carro aos policiais. Como perguntou, “se houvesse conluio, por qual razão precisou do auxílio do manobrista para conduzir carro automático”, já que isso seria ensinado a ele antes do crime. Também não seria necessária neste caso a arma que foi utilizada no assalto, informou o juiz.
Ao fixar a pena, Ítalo Morelle citou as cerca de 15 condenações anteriores do réu e disse ser necessário “findar com o fetichismo da pena mínima". Para ele, a ressocialização de presos “é vã filosofia de pretensos filósofos. E, assim o é, pois esbarra no livre arbítrio. A jaula torna o tigre mais manso? A raposa menos astuta?”, e mesmo um bom presídio desafia o livre arbítrio. O criminoso gosta de ser criminoso e não tem interesse em trabalhar de forma lícita “para perceber salário mínimo ou pouco além — como milhões e milhões de brasileiros —, eis que consegue muito mais” em qualquer crime.
A sentença apontou também o desejo da sociedade por penas mais duras, com o juiz citando a possibilidade de estabelecimento de “sanções mais rigorosas em proteção à sociedade”, ainda que isso seja raro, em sua visão. O crime em questão, continuou, não foi o simples roubo de um tênis mediante a ameaça de agressão física, pois foi levado “um veículo avaliado em quase R$ 70 mil. Ação que põe em pânico a sociedade”. De acordo com Morelle, são agravantes a tentativa de levar o manobrista como refém, o fato de o crime ter sido cometido enquanto Pires era foragido do sistema prisional e até mesmo sua conduta durante a fuga, já que colocou outras pessoas em perigo ao cortar semáforos fechados.
Com base nos péssimos antecedentes do réu, “personalidade berrante, intensa, marcante e enérgica incrustrada no crime”, ele fixou a pena em oito anos de reclusão e 20 dias-multa. O total foi elevado para nove anos, sete meses e seis dias de prisão e 24 dias-multa pela reincidência e em mais dois quintos por ter sido cometido com arma de fogo, chegando a 13 anos, cinco meses e oito dias de reclusão e 33 dias-multa. Por fim, a sentença fixou o cumprimento em regime fechado enquanto aguarda-se o julgamento de recursos.
Clique aqui para ler a sentença.
Gabriel Mandel é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 17 de março de 2014
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