* Wagner Dias Ferreira
Em um momento de sua história, a Associação dos Catadores de Papel de Belo Horizonte (Asmare) foi representada em Nova York por sua presidente a senhora Maria das Graças Marçal. No entanto, caso alguém procure por esta pessoa na sede da instituição, ela não será identificada, pois todos a conhecem como dona Geralda. Este é um fato histórico e já folclórico do ambiente urbano de Belo Horizonte. E representa uma realidade que continua a ser construída na realidade dos catadores de papel e de milhares de pessoas Brasil afora. Eles possuem codinomes, não pseudônimos ou “vulgos”, como gosta a polícia, que aparecem e se desenvolvem com muita frequência e naturalidade entre as pessoas. Assim, por volta de 2005, compareceu ao meu escritório de advocacia um senhor de nome Antônio Domingos Machado e que todos conheciam na região do bairro Zilah de Souza Spósito como senhor João.
Vale lembrar a valiosa memória da grande defensora dos Direitos Humanos e notadamente dos Direitos das Crianças e Adolescentes, a Sra. Zilah, que emprestou seu nome ao bairro, por causa da luta e dos esforços que desenvolveu na defesa de famílias vítimas de enchentes e na sua instalação naquela comunidade.
Outro fato que conheço e também chama a atenção: Sr. João não tinha passagens na polícia nem necessitava se esconder de órgãos policiais. Sendo dono de um bar e mercearia, sempre era envolvido em peripécias de clientes, mas, ele mesmo, mantinha-se íntegro. Por causa disso, é claro, precisou de advogado para uma dessas situações em que seu nome fora relacionado em um processo criminal indevidamente. Por mera afeição, permaneceu meu cliente por muito tempo.
Sempre correto no cumprimento de suas obrigações, jamais deixava de consultar o advogado, às vezes informalmente, para muitos de seus empreendimentos, mesmo que não seguisse os conselhos do suposto patrono.
Chegou a exigir do advogado que propusesse contra sua ex-mulher ação de divórcio, no que foi desaconselhado, aderindo à orientação profissional. E em ação judicial contra a mesma, debatendo uso do imóvel onde residiam, realizaram acordo por orientação de assistente social judicial. Um casal que por mais que discutissem, na verdade se amavam, fato que, pelas palavras da mulher, o sr. João, já às portas da morte, admitiu seu amor por ela.
Ao vê-los em audiência de tentativa de conciliação do juizado especial, passei sempre a orientar o sr. João a não perturbar a ex-mulher o que lhe caberia melhor naquelas circunstâncias.
Sr. João veio a falecer em fevereiro passado, por isso, no presente artigo, eu, enquanto advogado que o assisti em tantas peripécias, presto esta homenagem pública, pois não somente no exemplo de homem, pai e líder comunitário, senhor João se mostrou altivo e íntegro.
Não se trata de se referir a todo morto com benevolência. Trata-se de reconhecer que mesmo não possuindo grandes estudos, Sr. João se fez presente na vida de muitas pessoas ensinando que com muito esforço, humildade e respeito se vai ao longe.
Antonio Domingos Machado, presente, codinome João.
* Advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG
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