Enquanto os advogados protestam pelas ruas na Inglaterra contra os cortes na assistência judiciária, duas ONGs que lutam pela defesa do jurisdicionado resolveram levar a briga para a Justiça. Nesta segunda-feira (17/3), a dupla teve sua primeira derrota. A Corte Superior decidiu que o fim da assistência judiciária para pessoas que já foram condenadas e cumprem pena atrás das grades é válido e não restringe o acesso à Justiça.
A redução da assistência na área criminal passou a valer em dezembro passado. Agora, o preso que quer contestar o tratamento recebido dentro da cadeia ou reclamar seu direito de progredir para um regime mais brando tem de pagar do próprio bolso os honorários de um advogado. Caso não tenha dinheiro, precisa reivindicar o direito sem assistência profissional. O mesmo vale para mulheres que tentam ser inseridas em cadeias-maternidades para continuar perto dos seus bebês.
As ONGs Howard League for Penal Reform e Prisoners’ Advice Service estão contestando as novas regras no Judiciário. As duas afirmam que o fim da assistência judiciária viola o acesso à Justiça, direito fundamental garantido pela Convenção Europeia de Direitos Humanos. As entidades também apontam que, sem auxílio de um defensor, aumenta o número de decisões injustas.
Os argumentos não convenceram a Corte Superior de Justiça da Inglaterra. O tribunal considerou que, por enquanto, não há nenhum indício de que a falta de acesso a um advogado gratuito vai levar a erros judiciais. Os juízes avaliaram que o acesso à Justiça continua amplo, já que os presos podem procurar seus direitos mesmo sem um profissional. E, no caso de uma eventual injustiça, o condenado tem acesso à assistência judicial na área civil para pedir reparação.
No julgamento, a corte descartou os argumentos das ONGs de que os cortes feitos pelo governo britânico não iam implicar em maior economia e eficiência do sistema de assistência judiciária. Para o tribunal, isso é uma discussão política, que escapa da competência do Judiciário. Clique aqui para ler a decisão em inglês.
Pouco após o anúncio do julgamento, as entidades divulgaram nota à imprensa anunciando que recorreriam à Corte de Apelação. Para elas, o fim da assistência gratuita é uma injustiça, principalmente porque uma boa parte dos presos não tem preparo suficiente para se defender sem ajuda de um profissional.
Mãos de tesoura
Cortes pesados na assistência judiciária vêm sendo postos em prática desde abril do ano passado. Até então, a Inglaterra era um dos países da Europa mais generosos com a defesa dos carentes. A primeira e grande mudança foi a redução de um sexto do orçamento, que limitou os casos cíveis em que uma pessoa pode ter um advogado pago pelo governo.
Atualmente, assistência judiciária cível só vale para casos em que a vida ou liberdade da pessoa ou de outras estiver em jogo, quando há risco de dano físico grave, perda imediata da moradia ou quando os filhos puderem ser retirados dos pais e entregues aos cuidados da assistência social. Não tem mais amparo do governo brigas de família como divórcio e custódia de filhos, danos causados por erro médico, problemas trabalhistas e casos de imigrantes buscando permissão para morar na Inglaterra, entre outros.
Na área criminal, os cortes começaram a ser anunciados no segundo semestre de 2013. Primeiro, foram restritos os casos em que um acusado pode ter acesso a um advogado gratuito, com a imposição de uma renda máxima — 37,5 mil libras por ano (R$ 145 mil) — para se enquadrar no benefício. Aqueles que já estão presos, independentemente da renda, não recebem mais assistência para reclamar de maus tratos na prisão.
No final de fevereiro, o governo anunciou a redução do número de bancas e também dos honorários dos criminalistas que prestam assistência judiciária. Já no final de março, os advogados que lidam diretamente com os clientes vão passar a receber 8,75% a menos. Nova redução de 8,75% deve ser implementada em meados do próximo ano. Já para os barristers, que são os defensores que representam os clientes nas cortes de Justiça, a redução será de 6%.
Os quase 1,6 mil escritórios cadastrados para prestar assistência judiciária na área criminal serão reduzidos para 525, apenas um terço. Como boa parte desses escritórios depende da assistência para sobreviver, a previsão é de que dezenas fechem suas portas. A mudança já provocou duas greves da categoria neste ano, mas até agora não há sinal de negociação com o governo.
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico, 17 de março de 2014
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