segunda-feira, 10 de março de 2014

A questão da segurança pública como ponto crítico na sociedade pós-moderna e o estado penal máximo - reflexões sobre criminologia e política criminal

PAULO CESAR DE LARA (*)
1. Introdução

É crescente no mundo a tendência à ampliação da punibilidade, como estratégia de controle social. Nesta seara se enfrentam as duas estratégias, a do Direito Penal dito «mínimo» e a do Direito Penal dito «máximo», assim denominados pela doutrina penalista.
O Direito Penal mínimo se caracteriza pelos marcos garantistas revelados nos dispositivos penais nas sociedades democráticas, onde a pena e a prisão devem ser encarados de forma subsidiária, enquanto mecanismos de caráter excepcional utilizado para fazer frente ao conflito social, de tal forma que seja o Penal utilizado como «ultima ratio», sendo residual, no dizer de Alice Bianchini[1].

[1] BIANCHINI, Alice. «Pressupostos materiais mínimos da tutela penal: uma abordagem a partir dos postulados constitucionais». 2000. p. 258. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-graduação em Direito: Direito das relações sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, São Paulo.

Já o Direito Penal máximo em franca expansão tanto em países ricos como pobres contrasta a preponderância de um Direito Penal autoritário que reprime sempre mais o fenômeno da criminalidade a partir dos marcos institucionais do Estado Democrático de Direito.
Assim o Estado Penal máximo responde com penas de intensa violência estatal aos problemas sociais de toda ordem, mas tanto quanto capitalista for o sistema, maior será a punição contra delitos que agridem os ícones deste sistema como a «liberdade» para lucrar e a «propriedade privada».
Por exemplo, roubar um automóvel no Brasil pode implicar em maior pena do que abandonar um recém - nascido em tenra idade. A propriedade de um facilmente se sobrepõe às necessidades sociais de muitos, tal é o que acontece nos conflitos agrários, onde o aparato policial é utilizado em larga escala pelo Estado-Juiz.
Na América Latina o fenômeno da ampliação do Direito Penal já vinha dos tempos das ditaduras recentes e agora se religa ao Estado polidor, o que se verifica no aumento das prisões, as construções de Penitenciárias cada vez maiores, a proliferação da legislação penal extravagante e o recrudescimento da violência na condução das Políticas de Segurança.
Plantadas no auge das ditaduras militares na América Latina sob o manto da ideologia da Segurança Nacional na qual se louvava e resumia toda a legitimidade estatal há menos de 50 anos, as sementes profanas da arbitrariedade já inseridas no mundo mental das forças públicas de repressão, fortaleceram-se política e economicamente, estruturando um poder de polícia militarizado, autômato que simplesmente ignorava aos marcos das garantias fundamentais.
Curiosa é a jurisprudência do Superior Tribunal Militar que decide em vários aspectos totalmente contrário à jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal em termos de garantias cívicas e isso até hoje, no ápice do momento constitucional nacional.
Então o problema da segurança pública comporta o sub-problema que é justamente o enfrentamento do fenômeno social da criminalidade com aparatos ideológicos próprios de regimes autocráticos, abusivos, violadores de garantias contaminados psiquicamente pela transferência de «modus operandi» desligados da visão cidadã, garantista e democrática, pois, os atos de poder no âmbito militar já tem inculcada uma mentalidade de desprendimento das garantias civis e facilmente se justifica com evasivas institucionais contraditórias, pois à guisa de se promover a defesa do cidadão oprime-se, sob o argumento da justiça violam-se as mais relevantes garantias constitucionais.
Tanto mais pobres são as vítimas, maior o abuso, pois, o sistema continua sendo ciclicamente reproduzido, ideologicamente inculcado nas novas gerações dos autores da segurança pública, os mesmos vícios, as mesmas sendas de corrupção atávica, possibilitada pelas práticas antidemocráticas e a impossibilidade de se implantar novas concepções, vislumbrar novos horizontes, adotar outros paradigmas socialmente sadios se esgota no embate institucional estéril.
Prova disso são os altos índices de corrupção, violência e abusos sistematizados dos direitos dos cidadãos pelas forças públicas de repressão, em cuja atuação não raras vezes se percebe que ainda vive na batuta ideológica do desrespeito e da arbitrariedade. Cria-se uma sociedade que exclui com a prática das políticas de segurança pública, as prisões aumentam, continua-se exterminando, o Estado assume o papel do terror, o poder armado que recai violentamente sempre mais contra os pobres.
Por outro lado é imenso o esforço das Diretorias de Ensino e dos Governos através de suas Secretarias de Segurança Pública em vários Estados do Brasil no sentido de criar uma nova consciência do papel essencial das forças do Estado no contexto dos Estados Democráticos e assim ensejar novas práticas, sendo prova disso a inserção pioneira da Disciplina Direitos Humanos no «curriculum» de formação de Oficiais da Polícia Militar do Estado de Rondônia em fins dos anos a partir de 1997/98, experiência pioneira na federação da qual participaram Oficiais formandos de Belo Horizonte, Brasília, Salvador, São Paulo e outros Estados.
Vez ou outra o sistema se expõe em demasiado deslegitimando a atuação estatal. Por outro lado o desrespeito a autoridade policial constituída nos últimos acontecimentos e manifestações públicas sem uma atitude mais enérgica dos entes governamentais também colocam o Estado democrático em risco já que a força policial é a última razão do Estado e em caso de deslegitimação de sua atuação e do desrespeito de sua autoridade legalmente constituída. A perplexidade destes extremos de arbítrio e desrespeito gera uma insegurança na condução das Políticas de Segurança bem como um desgaste nas relações institucionais entre os agentes públicos de segurança e a sociedade.

2. Instituições em busca de identidade
Tal constatação revela a face terrível de que pode ser dotada as forças de repressão, inclusive com a configuração da corrupção, arbitrariedades, violação de direitos humanos, acobertamento da criminalidade, associação com o crime e por outro lado o extremo de simplesmente combater o crime a qualquer custo, esmagando os direitos das populações pobres que vivem nos morros e na exclusão social, econômica e política, o que é um crime maior contra a dignidade constitucional dos inocentes, questão bem explorada no filme nacional de grande sucesso e repercussão internacional, TROPA DE ELITE, já em seu desdobramento nos cinemas.
Não importa ali que dezenas de «favelados» morram de forma «necessária» a atuação da polícia, contanto que ao final se proteja a segurança pessoal e o patrimônio das populações mais abastadas, tudo estaria justificado, é o Estado Penal Máximo que sacrifica os pobres e seus direitos constitucionais para favorecer os mais abastados, conquanto distantes das favelas e das zonas de exclusão social, quando se sabe que drogas caras são consumidas pela elite da sociedade.
Revela-se assim o paradigma do Direito Penal do Inimigo, de forte conotação nos Estados Unidos da América após os atentados terroristas em 2001. Em resposta ao terror, instaura-se de forma contraditória não a reação ao terror, mas sim, cria-se um Estado Terrorista, absolutista e totalitário em termos de punição e repressão.
Otavio IanniI[2] em «Capitalismo, violência e terrorismo», assinala que «o mundo está amplamente organizado em moldes totalitários. Trata-se de um totalitarismo que se lança, simultaneamente, em diferentes níveis da vida social, de forma difusa e generalizada, imperceptível e truculenta, inefável e perversa».

[2] IANNI, Octavio. «Capitalismo Violência e Terrorismo». Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 297.

Afirma também IANNI, que «com a formação do Estado terrorista, disfarçado de democrático, na realidade totalitária e nazifascista, institucionaliza-se a barbárie, algo que se havia desenvolvido de forma difusa e indefinida na sociedade, logo se configura como ideologia e prática, técnica e missão do Estado como um todo ou de alguns dos seus aparelhos e agências de controle e repressão, em escalada nacional e mundial.»
Afirma IANNI[3] que «é como se a essência do poder estatal, o monopólio da violência, aos poucos permeasse ativa e generalizadamente o conjunto das organizações e instituições estatais, realizando, de forma paroxística, a fusão entre o complexo industrial militar, a tecno-estrutura estatal e o monopólio da violência». Giorgio Agamben[4] acusa a criação de um «estado de exceção» nos EUA que é uma expressão de um totalitarismo moderno, e o define como:

[3] IANNI, Octavio. «Capitalismo, Violência e Terrorismo». Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 290.
[4] AGAMBEN, Giorgio.« Estado de exceção». São Paulo: Boitempo, 2004. p.13.

«A instauração de uma guerra civil legal que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integráveis ao sistema político. Desde então, a criação voluntária de um estado de emergência permanente (ainda que, eventualmente, não declarado no sentido técnico) tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos»

VAZQUEZ[5], em sua «Filosofia da Práxis» assinala que toda violência suscita sempre uma atividade oposta, e uma violência responde a outra. Afirma[6] que nesse sentido, a compreensão do fenômeno da violência social nas sociedades contemporâneas, implica em perceber a realidade de uma sociedade calcada hegemonicamente no modo de produção capitalista, organizada em classes sociais antagônicas, uma sociedade globalizada.

[5] VAZQUEZ, Adolfo Sánchez. «Filosofia da práxis». Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales»; São Paulo: Expressão Popular, 2007.
[6] «Id.», p. 377. WACQUANT, Loïc. «Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos». Rio de Janeiro: Revan, 2003.

Afirma VAZQUEZ[7] que a luta de classes se desenvolve historicamente com um coeficiente maior ou menor de violência, mas a experiência histórica demonstra que quando a existência da classe dominante se encontra em perigo, esta não vacila em recorrer às formas violentas mais extremas, inclusive o terror maciço
.
[7] VAZQUEZ, Adolfo Sánchez. «Filosofia da práxis». Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales; São Paulo: Expressão Popular, 2007, p.377.

Como demonstrado por FOUCAULT em «Vigiar e Punir», e agora também repisado por Vazquez, a violência e a criminalidade são históricas e não devem ser analisadas como um traço de personalidade, ou como característica intrínseca à subjetividade, ou seja, não faz sentido falarmos em um «sujeito criminoso» ou em «periculosidade».
O crime oriundo dos desequilíbrios mentais, são raros neste panorama e isso a criminologia é plena de exemplos não é a loucura em si que dita a lógica da criminalidade e ao se enfrentar a criminalidade não se enfrenta a loucura situada no sujeito, não desloca-se o fenômeno das suas determinações sociais.
Perceber como VAZQUEZ[8] que não se pode perder de vista que à violência aparente na superfície dos fatos e é vivida diretamente subsiste uma expressão de uma violência mais profunda: a exploração do homem pelo homem, a violência econômica a serviço da qual a violência está. Ingressar nesta temática da violência no mundo atual, como se estrutura, como age, como se comporta no plano individual e institucional é o ponto de partida para se lidar com o fenômeno da violência enquanto fato social, objeto de interesse do cientista político, do sociólogo, do jurista, do psicólogo.

[8] «Id.», p. 386».

Ocorre que todos estes interlocutores sociais têm muito a dizer e muito mais tem a dizer quando a questão está em situar o tema da violência em face às Políticas Públicas de Segurança Pública, seus contornos psicológicos, o poder armado do Estado, o problema da criminalização não de condutas intrinsecamente nocivo à sociedade, mas à criminalização da pobreza, a pena horrível dos Presídios que destituem o homem mais do que da liberdade, mas da própria dignidade de ser humano.
A construção de um Estado Penal Máximo que entrega nas mãos dos agentes públicos de repressão o poder de vida e morte dos cidadãos e dos cidadãos pobres reclama a reflexão num Estado Democrático de Direito sobre a formação dos Policiais como promotores da cidadania, do respeito dos cidadãos e como exemplos de conduta que inspiram a confiança do povo.
Neste sentido são ricas as experiências das Polícias Comunitárias, já que é o Policial Militar quem se expõe diuturnamente às mazelas mais drásticas da vida social. Tudo o que falta no plano político em termos de Políticas Públicas de educação, segurança, saúde, cultura e tudo o que isso implica em termos de proteção da malha social, revela-se sob o viés da violência, do crime, da marginalidade.
Ocorre que ao final é o Policial em sua atividade ostensiva que enfrenta todo o peso da omissão do Estado em promover a cidadania e a dignidade neste Estado Penal, tornando-se ao mesmo tempo e encarnando de forma paradoxal o papel de promotor do crime e vítima da criminalidade.
Quanto à Polícia científica investigativa, esta padece da crônica desestrutura e falta de uma Política Pública que realmente reconheça a importância da ascensão na carreira como ponto não de chegada mas de partida na construção de uma nova Política de Segurança Pública.
Evidentemente questões diversas como remuneração, política de condução da Segurança Pública e a insegurança generalizada devido à falta de um marco claro de delimitação da autoridade, por falta do próprio governo federal e o crescimento do crime organizado são apenas alguns dos elementos que constituem a complexa situação da Segurança Pública atualmente no Brasil.
Evidentemente a questão das condições de treino e tiro e a dificuldade dos Policiais para se manterem em forma quanto a estes quesitos é mais uma exterioridade que denota as profundas contradições do sistema que exige eficiência funcional mas não confere condições estruturais para tal.
O desdobramento desta política estatal de criminalização das consequências da miséria de Estado opera segundo duas modalidades principais. A primeira e menos visível, exceto para os interessados, consiste em transformar os serviços sociais em instrumento de vigilância e de controle das novas «classes perigosas».

3. O Estado penal máximo e mínimo
Löic Wacquant[9] utiliza o termo Estado Penal para explicar a passagem nos EUA de um Estado dito «caritativo» por políticas de máxima contenção, no que se refere à segurança.

[9] WACQUANT, Loïc. «Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos». Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 27-28.

Nos EUA nos últimos anos foram votadas profundas alterações no âmbito social no sentido de «condicionar» o acesso à assistência social à adoção de certas normas de conduta (sexual, familiar, educativa, etc.) e ao cumprimento de obrigações burocráticas onerosas ou humilhantes.
O segundo componente da política de «contenção repressiva» dos pobres é o recurso maciço e sistemático ao encarceramento, afirma WACQUANT[10]. Ele define violência como sendo a «alteração ou destruição de uma ordem física, de uma determinada estruturação material»[11].

[10] «Id.».
[11] «Ibid.», p. 375».

Sob este viés de políticas públicas de Segurança voltadas à criminalização excessiva de condutas, encarceramento crescente, esmagamento da cidadania patrocinada por Estados autoritários onde impera cada vez mais o Estado Penal Máximo, urge buscar formas de contenção desta violência ilegítima e estatal e é justamente aí que a questão dos Policiais e sua formação democrática, cidadã, respeitosa passa a ter grande relevo, pois, é o Policial a face visível do Estado em seu momento de maior força, de maior arbítrio de maior relevância porque é ele o executor da ordem estatal.
O Policial armado e em campo representa a face concreta do Poder do Estado mais do que qualquer outra autoridade constituída, pois é ele que efetivamente decide quem vive e quem morre, conquanto mate ou morra por formação ideológica, apesar da vítima ter este ou aquele contorno ideológico.
É o Policial em sua atividade ostensiva que terá nas mãos o poder de vida ou de morte e é aí que reside senão o maior ao menos um dos mais expressivos problemas constitucionais a ser encarado na seara da Segurança Pública. A formação do Policial não pode ser fragmentada, amarrada às ideologias da Segurança Nacional ou ainda fragilizada pela falta de espírito de corpo, enfermada de práticas de corrupção, abuso e desrespeito.
Deve o Policial ser fruto de uma concepção moderna de Estado que respeite os direitos fundamentais, comprometido com a cidadania, integrado à Comunidade, inculturado às particularidades regionais onde vive.
Importante observar também que o Policiamento ostensivo é o diálogo direto do Estado-Poder com o cidadão envolto em todas as suas mazela culturais, sociais, econômicas e políticas e a atuação do Policial Militar se dá de forma absolutamente diversa do militar das forças armadas ou do Policial Federal ou do Policial Civil, sua função constitucional é outra, seu papel social é outro, sua atuação com a população implica em particularidades que nenhum outro elemento das forças públicas de segurança é dotado, por isso mesmo sua formação precisa ser única, diferenciada, particularizada, inculturada não só por razões jurídicas, mas por imperativos sociológicos, políticos, históricos, econômicos e culturais.
Se assim é com o Policial Civil, com muito mais razão ainda se deve pensar na formação do oficialato que irá comandar as tropas não raras vezes em operações complexas onde se esbarram em garantias constitucionais e onde somente os comandos aureolados do mais profundo humanismo, da mais aguda preparação ética, profissional, cultural e sociológica sairão vencedores de fato.
Portanto, a formação dos Oficiais das Polícias Militares tem a maior relevância e muitos fatores adentram a discussão de sua preparação que deve ser única e não a continuidade da formação que se teve ou tem no Exército, com contornos ideológicos diversos, com raízes históricas diferenciadas, com papel constitucional próprio, exclusivo, com missão social ímpar, tudo isso evidentemente analisado sob o paradigma do Estado Democrático de Direito, destacando-se em tudo a formação didático-pedagógica dos cursos de formação dos Oficiais e dos Policiais Civis, com conteúdos didáticos voltados à promoção da cidadania, do cidadão e não com ênfase na soberania e na ideologia de segurança nacional, em muitas vezes fora do seu tempo e distorcida inclusive quanto aos seus fins e aos seus métodos.
Se é legítimo e correto, que haja Escolas especializadas na formação do Promotor, do Magistrado, do Advogado que atuam na área da Segurança Pública, com toda a razão especializar-se o preparo dos Comandantes de tropas da Polícia Militar e do corpo da Polícia Investigativa, o que nada tem a ver com a subordinação hierárquica das forças públicas sob a batuta das Forças Armadas, por mandamento constitucional, são searas distintas, uma com ênfase na preparação do jovem oficial ou investigador, outra com o foco nos momentos sociais mais agudos na vida institucional da nação, não se confunda, pois as instâncias.
O Judiciário tem aqui em matéria de Segurança Pública uma tarefa imensa na medida em que terá de ponderar sobre os critérios de formação da Polícia ostensiva, sua preparação, suas características, pois estará colocando frente a frente o cidadão, em geral partícipe de comunidades excluídas e a mais concreta expressão do poder estatal, o Policial armado, advindo daí a necessidade de detectar a verdadeira índole da identidade do sujeito constitucional em termos de Segurança Pública.

4. A Onda de violência e a paralisação do estado
Percebe-se o aumento da onda da violência e a violência institucionalizada. O conflito interno e externo do «homo sapiens» X o «homo brutalis» caracteriza a estrutura psíquica na pós-modernidade.
PEREIRA[12], cita Paul Sivadon em seus estudos e assim se refere ao «homo brutalis» assinalando que «é uma herança dos ancestrais longínquos e, por isso, as megalópolis modernas estão povoadas por homens de Cro-Magnon... («omissis»)...como se o homem civilizado abrisse a jaula do homem das cavernas, preso no fundo de sua memória».

[12] PEREIRA, J. Violência, uma análise do «homo brutalis», São Paulo: Alfa-ômega, 197. p. 63.

HACKER, «apud» PEREIRA[13] afirma que «a utilização da violência é a longo prazo uma estratégia medíocre. Fascina e paralisa por intermédio dos seus primeiros sucessos, chamando as atenções pela brutalidade e condicionando a opinião pública à repetição. Determina conseqüentemente a contra violência, o aumento da violência e a explosão geral da brutalidade».

[13] «Id.».

O fracasso das políticas públicas de segurança e a necessidade de novos paradigmas por exigência do princípio da eficiência (art. 37, «caput» da CF/88). O policiamento é um desdobramento da Política Pública de Segurança, mas evidentemente não se reduz à Política Pública de Segurança, pois é também um serviço público à disposição da população e como tal deve estar revestido das mesmas características e limitações dos demais serviços públicos levados a cabo por entes estatais, com relevo especial no que se refere à eficiência de sua prestação.
Tanto mais qualificados estejam os executores, mais se aproxima do ideal constitucional da eficiência, exigência constitucional do art. 37, «caput» da CF/88.
Sob este prisma da eficiência constitucional de um serviço público, pode ser analisada a questão da Polícia que cada vez mais enfrenta a violência em espiral crescente em todos os níveis, as drogas, o tráfico infiltrado nas próprias instituições policiais, a separação escandalosa entre ricos e pobres e o vácuo onde viceja a marginalidade o crime que acolhe e corrompe os jovens e crianças, na mais tenra idade, recrutando-os para o crime, exigem um novo perfil estatal das forças de segurança pública, que cada vez mais, devem ocupar os espaços da repressão mostrando a face da Polícia cidadã.

5. A necessidade de se preencher os espaços institucionais como forma eficiente de se promover segurança pública
Deve o Estado preencher espaços sociais vazios e levar até estes vácuos sociais a cidadania, deve a Polícia proteger o cidadão e não se aliar a parte deficiente do Estado para destruir o próprio cidadão, violar seus direitos e suprimir garantias constitucionais históricas adquiridas a custo altíssimo com o sangue de muitos inocentes nos porões da ditadura militar, nas ruas e no âmago de toda a sociedade, uma chaga ainda não cicatrizada na recente história política brasileira, não podendo se esquecer que a tragédia da ditadura atingiu também o lado dos agentes do Estado, todos com uma história de vida, família e sonhos que nunca se concretizaram. Daí a perplexidade da atual «Comissão da Verdade» que por vezes só aceita a verdade mais conveniente, o que não ajuda em nada a consolidação da Democracia.

6. Conclusão
Ante todas as questões expostas há muito mais evidentemente a ser analisado e aprofundado, se deve preparar a Polícia cidadã, seja ela ostensiva, científica, ou qualquer outro aspecto que se queira considerar, com metodologia, eficiência, técnica, coerência e ciência, o que não é possível é continuar reproduzindo-se técnicas fragmentadas na construção dos efetivos policiais sem um norte ideológico democrático e republicano claramente delimitado, sem uma identidade própria das Polícias em suas mais variadas instâncias, em corporações sem raízes, sem integração regional inclusive e preparando Comandantes e superiores hierárquicos em realidades sociais, políticas e econômicas totalmente diversas do local de origem da prestação de seus serviços.
Como é possível um futuro comandante ou Chefe de operação investigativa ser preparado nas fileiras das polícias alheios a realidade sociológica e institucional onde atuarão, é de todo inadequado e desproporcional o resultado da empreitada.
O viés da Polícia pela herança militar que recebeu e mais pelas práticas subterrâneas tem sido incapaz de enfrentar com eficiência o problema da marginalidade, da violência desenfreada e não poucas vezes se torna ela mesma a principal protagonista desta mesma violência cuja sua razão institucional da Polícia é combatê-la.
Daí a necessidade de novos paradigmas, de novas construções institucionais. Foi por causa disso que se optou em criar efetivos liderados por Oficiais versados em humanidades de tal forma que sejam preparados em grau de excelência para o adestramento de tropas bem como a preparação de investigadores em conformidade com técnicas atuais de investigação e formação humanística integral, cujas balizas pedagógicas constam dos diversos programas de formação de Polícias em diversos Estados brasileiros.
Foi com vistas a estes aspectos supra comentados que se instituiu o Vestibular vinculado a programas didáticos pedagógicos das Universidades em conjunto com Academias de Polícia para se otimizar a formação do oficialato, em tratando-se de Polícia Militar, cumprindo o mandamento constitucional da eficiência, art. 37, «caput» da CF/1988, a Constituição Cidadã. A mesma formação tem se exigido quando da preparação de Agentes de Investigação.
Basta agora zelar pela qualidade de tais cursos e aprimorá-los e assim assegurar o princípio da segurança pública exercida com qualidade, eficiência e com «segurança», pois, um bom Policial não é fruto apenas da decisão solitária de caráter, o que conta e muito, mas também se é fruto das condições materiais históricas, de Políticas bem assentadas e de um traço político muito claro quanto aos caminhos que a construção da Segurança Pública há de trilhar. Há inclusive quem cogite sobre o desacerto do desarmamento da população e da propaganda oficial dos governos para que nunca reajam ante os assaltos e violências, pois isso pode soar no mundo da marginalidade como um salvo - conduto à banalidade da violência e a apologia ao crime.
É certo que se precisa construir uma Polícia cidadã, mas também é certo que isso não se consegue com considerável parte do povo nas ruas desrespeitando totalmente primeiramente a dignidade humana do Policial, pois é óbvio que a investidura de autoridade não retira do agente do Estado todos os demais direitos de personalidade e dentre estes o de ser tratado de forma condigna e depois desrespeitando a autoridade de que o Policial é investido sem que os governantes, por e evidente comodismo populista, não tracem de pronto um marco procedimental e punitivo claro no sentido de que abuso é abuso não importando de quem venha ou de que nome seja revestido, se de manifestação, protesto ou simplesmente desprezo pelo poder público instituído pelo Estado na figura mais forte que existe e na representação mais drástica do poder que é o Policial, que em última análise é aquele que deveria zelar pela «Polis».
Afinal o Policial é a última razão do Estado, o último ponto de contato na seara das liberdades públicas cujo poder de fato transcende e em muito a atuação dos Juízes e Promotores, pois estes tem a caneta e aquele tem a arma e a liberdade para continuar liberdade necessariamente necessita encerra-se no âmbito do Estado, do mesmo Estado que como acentuou Max Weber, nada mais é do que a «violência legitimada».

(*) O Autor é Advogado; Mestre em Direito Constitucional (UFMG); Especialista em Direito Constitucional (UFMG); Professor do Centro de Estudos Superiores dos Campos Gerais; Professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa



Fonte: BIJ vol. 591

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