“Com base na lei se condenam pessoas a pena de prisão (para prejudicar) mas no momento em que se deve beneficiá-las (condições prisionais), nega-se a legalidade. Algo intolerável, beirando a hipocrisia.” Estas palavras de crítica ao Estado e ao próprio Judiciário foram registradas em voto do desembargador Amilton Bueno de Carvalho, da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Por maioria, os integrantes da turma determinaram a expedição de mandado de prisão contra condenado por roubo, mas definiram que ele só poderá ser detido quando o Estado oferecer condições mínimas de sobrevivência em presídio.
Os desembargadores só discordaram do voto do relator, Amilton Bueno de Carvalho, no ponto em que dizia que o mandado de prisão só deveria ser expedido quando houvesse presídio adequado. O artigo 85 da Lei de Execuções Penais fala de obediência rigorosa ao limite máximo da capacidade prisional, de celas arejadas e com condicionamento térmico adequado à existência humana.
Segundo os integrantes da 5ª Câmara, o Estado tem o dever de punir os que agridem a lei penal, mas não pode descumprir a legislação aprovada para garantir direitos mínimos aos condenados. “A legalidade tem dois vieses: um que determina a prisão (contra o cidadão) e outro que protege o apenado”, escreveu o relator em seu voto, em que afirma também “o mea culpa” de sua Câmara Criminal por, até então, ter sido conivente com o sistema prisional.
O desembargador afirma que o juiz também é responsável pelo cumprimento da pena de acordo com a legislação. Para ilustrar, cita frase do ilustre Rui Barbosa: “Não há salvação para o juiz covarde”.
Precedentes
O relator lembrou de decisão recente do Supremo Tribunal Federal (HC 95.332, de março de 2009), em que os ministros permitiram que condenados em regime aberto, em locais onde casa do albergado não cumpre condições de higiene suficientes e estão superlotadas, sem separação de condenados em regime semi-aberto, cumpram pena em regime domiciliar.
Citou, ainda, reportagem publicada pela Folha Online. Juízes da Califórnia estão prestes a liberar 60 mil presos por conta da superlotação carcerária.
Apoio
“Impossível não aderir aos argumentos do relator, no que diz com a situação penitenciária”, declarou o desembargador Luís Gonzaga da Silva Moura. Ele ressaltou que, com algumas exceções, o Estado não cumpre o princípio da dignidade da pessoa humana.
“Seguir ignorando tal situação e atirar um jovem, com as condições pessoais do ora acusado, ou seja, menor de 21 anos e primário, em um dos atuais “depósitos de presos” — com superlotação, condições subumanas e dividido por facções criminosas —, é privá-lo não só da liberdade (pena a que foi condenado a cumprir), mas também da dignidade e da esperança, já que nula a possibilidade de ressocialização”, concluiu.
O crime
O rapaz de 21 anos foi preso por ter “subtraído para si” um Play Station, um aparelho de DVD, três celulares, uma máquina fotográfica, um porta CD e R$ 530.
De acordo com os autos, ele jantava na casa das vítimas quando o refrigerante acabou e ele foi incumbido da tarefa de comprar mais. O acusado saiu e voltou acompanhado de outra pessoa, que o teria ajudado a roubar os anfitriões do jantar. A causa, segundo o processo, foi uma dívida de R$ 80, “de origem sexual, não comprovada”. O jovem foi condenado a mais de quatro anos de reclusão, em regime semi-aberto.
Revista Consultor Jurídico, 16 de abril de 2009
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